Autor: Cauê Sanchez
Um olhar inclusivo à luz do Espiritismo,
da Educação e do Amor
A Casa Espírita, espaço de acolhimento,
aprendizado e renovação, deve refletir, em suas ações, a essência da caridade e
da fraternidade. Dentro desse propósito, o acolhimento de pessoas autistas
representa um dos maiores desafios e oportunidades do nosso tempo: compreender
o outro em sua singularidade e, ao mesmo tempo, reconhecer o Cristo que habita
nele.
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é uma
condição neurológica que afeta a forma como a pessoa interage, se comunica,
aprende e percebe o mundo. Cada indivíduo autista é único — possui
sensibilidades, comportamentos e formas de expressão próprias. Por isso, dentro
da casa espírita, a atenção deve ir além do diagnóstico, alcançando o espírito
imortal que vivencía uma experiência diferente de percepção e conexão com a
vida.
O autismo sob a luz do Espiritismo
A Doutrina Espírita nos convida a enxergar o
ser humano como um espírito em evolução, temporariamente revestido por um corpo
físico que pode apresentar diferentes condições ou limitações.
Allan Kardec, em O Livro dos Espíritos
(questões 367 e 372), já nos ensina que as dificuldades físicas e mentais podem
ser provas ou expiações necessárias ao progresso do espírito, nunca punições,
mas caminhos educativos para o crescimento moral e espiritual.
Assim, o autismo não deve ser visto como um
“problema”, mas como um modo diferente de viver a experiência terrena, em que o
espírito pode estar exercitando novas percepções e formas de interação com o
mundo.
A casa espírita, então, torna-se escola e
hospital da alma, lugar onde o amor se transforma em linguagem universal —
compreendida mesmo por aqueles que ainda não falam ou expressam suas emoções
como a maioria.
Como reconhecer os sinais de autismo na
Casa Espírita
É comum que evangelizadores e trabalhadores
percebam certos comportamentos sem entender que podem estar relacionados ao
espectro autista.
Observar com atenção e empatia é o primeiro
passo para o acolhimento.
Sinais comuns durante a evangelização ou nas
atividades da casa:
Dificuldade com contato visual: a criança pode
não olhar diretamente, evitando interações oculares. Isso não indica
desinteresse, mas uma forma diferente de processar estímulos visuais.
Hipersensibilidade a sons, luzes ou cheiros:
músicas, microfones, orações em grupo e cheiros fortes (como o da cera ou
perfumes) podem causar desconforto.
Interesses específicos ou repetitivos: a
criança pode se fixar em um objeto, história ou imagem, demonstrando prazer em
repetições e padrões.
Dificuldade em interagir em grupo: pode
preferir observar, brincar sozinha ou repetir movimentos como balançar o corpo,
bater as mãos ou alinhar objetos.
Diferenças na comunicação: pode falar pouco,
repetir palavras (ecolalia), cantar em momentos inesperados ou usar gestos para
se comunicar.
Reações emocionais intensas: choros, gritos ou
agitação podem surgir diante de mudanças, imprevistos ou excesso de estímulos.
Forma singular de conexão espiritual: enquanto
outras crianças oram em silêncio, a criança autista pode se mover, observar ou
simplesmente permanecer quieta. Mesmo assim, pode estar em profunda sintonia
espiritual.
Como a Casa Espírita pode acolher
A inclusão na Casa Espírita é um ato de
evangelização viva. Não basta abrir as portas; é preciso abrir o coração e
reorganizar as práticas para que todos se sintam pertencentes.
Princípios práticos de acolhimento:
Respeito ao tempo individual: evite exigir
respostas imediatas, toque físico ou participação forçada. Acolher é permitir
que o outro participe à sua maneira.
Ambiente sensorialmente equilibrado: reduza
ruídos, eco, iluminação forte e estímulos visuais excessivos.
Rotina previsível: apresente a sequência das
atividades com imagens ou palavras simples. Isso diminui a ansiedade e favorece
a compreensão.
Materiais adaptados: utilize figuras, texturas,
recursos concretos e histórias visuais. A aprendizagem do autista é fortemente
sensorial.
Flexibilidade e paciência: cada dia é
diferente. O progresso acontece em pequenos passos, e o vínculo afetivo é a
base de tudo.
Formação dos trabalhadores: todos os
colaboradores — do evangelizador ao dirigente — devem compreender o que é o TEA
e como lidar com suas manifestações com respeito e naturalidade.
Acolhimento às famílias: ouvir os pais,
entender suas rotinas e ansiedades é parte fundamental da caridade espiritual.
Fundamentação pedagógica e doutrinária
Inspirando-se em Pestalozzi, Montessori e Paulo
Freire, a pedagogia espírita se baseia na educação do coração, que valoriza o
amor como ferramenta de ensino.
Para a criança autista, essa abordagem é
essencial, pois ela aprende pelo vínculo afetivo e pela constância — princípios
também presentes em O Evangelho Segundo o Espiritismo, no capítulo “Deixai vir
a mim as criancinhas”.
Segundo Yvonne A. Pereira, o amor é força
terapêutica que reconstrói almas. E é justamente esse amor que deve nortear o
trabalho inclusivo.
A educação espírita não tem por meta
“normalizar”, mas espiritualizar: ajudar cada ser a reconhecer sua luz, dentro
de suas possibilidades.
O autismo como caminho espiritual
Sob a ótica reencarnacionista, o espírito que
vivencia o autismo pode estar em um processo de reequilíbrio energético,
emocional ou sensorial.
Muitas vezes, é um espírito sensível, com
percepções ampliadas, que ainda não encontrou total adaptação ao plano físico.
Outras vezes, são espíritos missionários que vêm ensinar à humanidade novas
formas de sensibilidade, empatia e comunicação.
Cada gesto, silêncio ou olhar pode expressar
uma profundidade espiritual que escapa à percepção comum.
Assim, quando a Casa Espírita acolhe um jovem
autista, ela acolhe uma lição viva do Evangelho: amar sem esperar retorno.
Conclusão
A presença de pessoas autistas nas casas
espíritas é um convite à renovação moral. Elas nos ensinam que o verdadeiro
aprendizado não está nas palavras, mas na presença amorosa; não no discurso,
mas na escuta sensível.
Incluir é evangelizar.
Evangelizar é compreender.
Compreender é amar — e amar é servir ao Cristo
em cada coração, independentemente de diagnósticos, limitações ou
comportamentos.
Que nossas casas espíritas se tornem, cada vez
mais, templos de inclusão, empatia e luz, onde todos possam viver o Evangelho
na prática e sentir-se parte da grande família universal.
Fonte: Juventude Espirita


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