A escritora sueca Selma Lagerlöf, vencedora
do Prêmio Nobel de Literatura de 1909, conta em seu livro Lendas
Cristãs1 a história do Lenço de Santa Verônica e
o estranho sonho da jovem esposa de Pilatos, na véspera do julgamento final de
Jesus. No sonho, ela estava no terraço de sua casa olhando o belo pátio
ornamentado com plantas raras, quando observou que ali se reuniam enfermos,
cegos e coxos de todo o mundo. Ela via diante de si pestosos, leprosos,
paralíticos e outras criaturas que viviam no tormento e na dor.
Desesperados, queriam entrar no palácio e
batiam à porta até que um escravo saiu e perguntou-lhes o que desejavam. A
turba enferma respondeu: Procuramos o grande Profeta que Deus mandou ao
mundo. Onde está o Mestre que veio de Nazaré, O que domina todos os males? Onde
está Aquele que nos pode libertar de todos os nossos tormentos?
O escravo, indiferente e arrogante,
falou: É inútil procurar o grande Profeta: Pilatos O matou.
Eles, então, gritam de desespero. A jovem cai
no choro e acorda. Novamente adormece e volta a avistar o pátio, agora cheio de
loucos e possessos. Alguns estavam completamente nus; outros, cobertos apenas
com os próprios cabelos; uns se supunham reis enquanto outros rastejavam. Como
os do sonho anterior, eles bateram na porta do palácio até que o mesmo escravo
apareceu perguntando o que queriam. A multidão demente respondeu em altos
brados que procurava o Profeta de Nazaré, Aquele que fora enviado por Deus e
podia restaurar suas almas e sua razão.
A resposta do escravo, com a repetida
indiferença, foi a mesma: Não percais tempo em procurá-lO: Pilatos O
matou!
A multidão começa a uivar em desespero, e a
jovem, sofrida, torna a despertar para tornar a adormecer e voltar ao mesmo
sonho. Ela se vê no mesmo terraço. Evita olhar para o pátio. Não queria ver
mais ninguém. Ouve, então, um ruído ensurdecedor de correntes e o martelar de
pesadas ferramentas. Olha para o pátio e vê diante de si todos os prisioneiros
do mundo.
Vê os que jaziam em tristes calabouços e em
escuras minas, os que remavam em galeras de guerra, os que carregavam pesadas
cruzes, os que seriam decapitados ou deportados para longínquas terras e os que
serviam de bestas de carga, cujas costas sangravam devido aos açoites.
Todos gritavam: Abram! Abram! O
mesmo escravo, então, perguntou-lhes o que desejavam. Eles responderam, como os
outros: Procuramos o grande Profeta de Nazaré, O que veio ao mundo para
dar liberdade aos prisioneiros e aos escravos, a felicidade perdida.
Cansado e indiferente, o escravo
respondeu: Não O encontrareis aqui: Pilatos O matou.
A multidão explode em insultos e blasfêmias e
a jovem esposa do procurador romano, acordando assustada, decide não dormir
mais. Não queria voltar aos pesadelos. Luta contra o sono, mas acaba por
adormecer e visualiza nova multidão no pátio. Nele estavam os feridos e
mutilados em batalhas, alguns com as feridas abertas. Ao lado deles, os que
tinham perdido entes queridos em campos de batalha. Órfãos, noivas, esposas e
idosos choravam por seus amores. Mais uma vez, veio o escravo perguntando o que
procuravam. Responderam que buscavam pelo grande Profeta de Nazaré, que
proibiria todas as guerras e rumores de guerras, trazendo paz à Terra e
transformando armas em ferramentas de trabalho.
Impaciente, o escravo replicou: Não
me importuneis mais! Já várias vezes o disse. O grande Profeta não está aqui:
Pilatos O matou.
A jovem se viu sair correndo para não ouvir
os gritos e acordou assustada, sem desejar voltar a dormir.
O conto prossegue com a esposa de Pilatos
tentando adverti-lo da inocência daquele Profeta, sem conseguir, como já
sabemos, de acordo com o que consta nos Evangelhos.
Desse conto, que vale a pena ser lido até o
final, extraímos essa parte para entender quem são os que procuram Jesus.
Doentes do corpo e da alma, loucos,
possessos, presos e explorados, vítimas das guerras, sofredores, aflitos que,
até hoje, buscam pelo Enviado de Deus.
Jesus prometeu não nos deixar órfãos2 e
ainda nos prometeu outro Consolador.3
No decorrer da História, enviou vários
emissários, que lutaram por manter viva a chama do Evangelho, a luz da verdade
e o conforto do Seu amor, não nos deixando órfãos.
Aprendemos com Allan Kardec4 que
Jesus cumpre a Sua promessa e nos envia outro Consolador, que ficará eternamente
conosco: O Espiritismo vem, na época predita, cumprir a promessa do
Cristo: preside ao seu advento o Espírito de Verdade. […] Vem, finalmente,
trazer a consolação suprema aos deserdados da Terra e a todos os que sofrem,
atribuindo causa justa e fim útil a todas as dores.
Através da clareza de seus princípios, nos
confortamos. A Imortalidade da alma é explicada através da voz dos
próprios mortos, demonstrando que a vida continua, com muita força,
feliz para os que foram dignos e tormentosa para os que foram maus. Termina a
angústia do fim da vida, com a morte e a saudade sofrida
dos adeuses dos nossos amores queridos, que agora sabemos que
continuam vivos, amando, sentindo, vibrando por nós, no mundo espiritual. A
comunicabilidade entre vivos e mortos é estudada e organiza-se em um tratado
que é O Livro dos Médiuns5, no qual ficam estabelecidas
as diretrizes do intercâmbio entre os dois mundos. Assim, o contato com o Mundo
Maior permite que esse conforto seja permanente.
Com o estudo claro e objetivo da reencarnação,
entendemos que temos muitas vidas no corpo. Vivemos antes e viveremos depois
desta jornada terrena. Com os renascimentos, vêm a lógica da evolução e da
Justiça Divina. Tudo se harmoniza, tudo se encadeia e o que nos acontece hoje
está relacionado com o nosso passado, tendo por objetivo nosso aprendizado
futuro.
Com a convicção acerca da pluralidade dos
mundos habitados, vamos entendendo que nosso Planeta é mais um dos muitos
habitados, havendo mundos inferiores e superiores, que poderemos habitar.
Desses princípios, entendemos Deus como a
Inteligência Suprema e Causa primária de todas as coisas, um Deus de Amor,
Justiça e Bondade.
Quanto conforto, neste Consolador que
recebemos de Jesus.
Voltamos aos que procuram Jesus.
O sonho da esposa de Pilatos deixa claro que
há muitos que ainda buscam o Cristo, pretendendo a cura, o fim da dor, a
lucidez, pondo fim às desarmonias mentais e emocionais, a paz entre os povos,
com o silenciar dos canhões, o fim das injustiças, das extremas desigualdades,
das maldades e crueldades.
Eles aguardam uma resposta. Procuram Jesus e
não acreditam na informação do escravo de Pilatos.
Nós, que recebemos do Consolador essas
mensagens tão puras e boas, devemos abrir as portas aos que batem e
dizer: Jesus cumpriu Suas promessas, retornou da morte, não nos deixou
órfãos, e nos enviou o Consolador. Temos o Espiritismo que pode propiciar a
cura, senão do corpo, mas do Espírito, a lucidez e a harmonia interior, o fim
das guerras, desde os lares, até as coletividades, o cessar das injustiças
terrenas, amenizando, ao menos, as enormes desigualdades ainda presentes.
Divulguemos as verdades Espíritas, através de
nossos atos, de nossas palavras, de nossas redes sociais, cantando o Evangelho
de Jesus com a interpretação lúcida do Consolador. Muitos ainda
procuram, ansiosamente, pelo Enviado de Deus, por Jesus e nós já temos
condições de recebê-los.
(*)
Referências:
1 LANGERLÖF,
Selma. Lendas Cristãs. Rio de Janeiro: A Noite, 2001.
2
BÍBLIA, N. T. João. Português. O novo testamento. Tradução de João
Ferreira de Almeida. Rio de Janeiro: Imprensa Bíblica Brasileira, 1966. cap.
14, vers. 18.
0 Comentários