Água e Lágrimas em Excesso. E Agora, Espíritas?


Por Marcelo Henrique

É hora de reconstrução, e está só pode ocorrer com união, com desprendimento, com vivência de toda uma raça brasileira, independente das diferenças físicas, intelectuais, ideológicas ou de opinião. Podemos demonstrar nossa altivez e desprendimento, nossa condição de bons Espíritos, ou continuarmos marchando na iniquidade, nos vícios, nos defeitos morais e na indigência espiritual.

Brasil. Sul. Rio Grande do Sul. Maio de 2024. As imagens correm o mundo. Uma catástrofe sem precedentes. Um dos maiores estados do país, em extensão geográfica, em população e em produção agrícola, tradicionalmente, arrasado. Vidas ceifadas. Sobreviventes arrasados. Patrimônios dilapidados. Destruição por toda a parte…

O ser – seja o que está em solo gaúcho, seja o que vive em qualquer outro local deste planeta – busca forças para compreender o drama real que enlameia a nossa geração. Muitos se escoram nas religiões, como se estas pudessem dar alguma explicação lógica razoável, ou, pelo menos, ausente esta, um lenitivo de fé. E de esperança ante o porvir. Bordões religiosos e máximas morais, vinculadas à espiritualidade que é vivenciada por cada fiel até produzem algum efeito. Ainda que momentâneo.

Porque diante do caos, da miséria, do sofrimento, da destruição avassaladora, nem sempre o real nos traz as mais envolventes respostas. O estado de necessidade – individual ou coletivo – precisa da fé, seja no que e como for, para “seguir adiante”.

Não vamos traçar nenhuma diferença específica em relação às crenças. Não seria justo nem útil. Apenas rogamos que os crentes de toda matiz possam se irmanar em preces, orações, vigílias, vibrações, elevações de pensamento. O mundo (e o próprio Brasil) já está dividido o suficiente.

Neste momento de profunda dor – e solidariedade, felizmente, porque esta não escolhe lugar nem vez e se aplica, graças aos corações embevecidos e movidos pelo desejo irresistível de ajudar, mesmo com o pouco que se tem – não é momento de postarmos metralhadoras giratórias em relação aos “culpados” – que no jargão do Direito e do Direito Público, seriam os responsáveis por ações e omissões (muito mais essas) públicas. Não é para esse instante, me perdoem os que esperavam um texto do tipo “caça às bruxas” ou inquisitório à classe política brasileira e sul-rio-grandense. Não!

Isto virá, depois. Não tenham nenhuma dúvida disso. O ECK com sua postura sociopolítica, conhecida, tradicional e permanente, exposta em artigos, editorias e documentos, não irá se furtar de listar e qualificar os responsáveis, em toda a pirâmide de poder político em terra brasilis. Como minha saudosa mãe sempre repetia: “dê tempo ao tempo”.

Inicialmente é preciso identificar uma pontual causa para o dantesco episódio de maio/24 em solo gaúcho: desrespeito sistemático com o meio ambiente. Associado ou dependente desta causa-matriz, há outros elementos a delinear: ganância, corrupção, incompetência administrativa, negacionismos, ligações espúrias entre políticos e empresários, financiamentos de campanhas eleitorais. Não exaustivamente, claro. Sempre é possível agregar algum componente ao contexto-cenário.

Meu saudoso avô, da Marinha do Brasil, prático numa época dos primeiros navios que aportavam em Florianópolis, Santa Catarina, sempre dizia: – Meu filho, o que pegam da Natureza, ela toma de volta! – em alusão, claro, aos aterros feitos no litoral catarinense – e em muitos outros pontos do território brasileiro – no mar. E a Natureza veio buscar o que é dela, ou, em termos menos lúdicos e mais técnicos, veio apresentar a sua conta em relação a tantos desvarios e atos tresloucados em nome do “progresso”.

Que progresso? Como espíritas que somos, vamos buscar a diretriz fundamental: na Terceira Parte de “O livro dos Espíritos”, especificamente no Capítulo VI, são descritos os principais delineamentos da Lei do Progresso, que se aplica à Terra e aos outros Mundos Habitados do Universo. Em julho de 2022, na Revista Espírita Eletrônica Harmonia, tivemos a oportunidade de correlacionar o progresso humano-espiritual com o desenvolvimento humano social [1]. Neste sentido, o ECK reafirma: se não ocorrer o último, o primeiro soa apenas como falácia ou quimera!

Progresso não pode ser para dadas pessoas, determinadas atividades, selecionadas empresas, oportunistas políticos, criaturas que se julgam acima do bem e do mal, do certo e do errado, da Terra e do Céu e até de Deus (independente da denominação que lhe for dada). Progresso não é seletivo, nem baseado em conceitos equivocados de “meritocracia”, tão em moda para justificar opções ideológicas canhestras que, vez por outra, retornam ao palco social e às bandeiras partidárias e de opinião pública.

Progresso é para todos. O material, o físico, o social. E se não for, ou enquanto não for, estaremos falidos enquanto Humanidade. Mesmo reconhecendo que o percurso é longo, difícil, não-retilíneo, revolucionário e de lutas, não podemos conceituar progresso se não existir progresso total, abrangente e inclusivo, no português romântico e repleto de brasilidade: para toda gente.

No que tange ao evento catastrófico – e que, ainda, neste momento, não se tem qualquer perspectiva de quantificação de danos pessoais, morais, financeiros, econômicos, sociais, inclusive porque as previsões de novas tormentas estão na ordem do dia, para as próximas horas e dias – será preciso que os políticos e suas agremiações, bem como seus seguidores fanáticos decretem, entre si, um necessário armistício e um acordo real para a reconstrução dos belos pampas. Nossa raiz brasileira espera e exige isso, senhores prefeitos, vereadores, governadores, deputados, senadores, ministros e presidente e vice. Não há outra opção nem outro meio, senão arregaçar as mangas, esquecer dissidências e disputas eleitorais (que já estão, de novo, à nossa porta em outubro vindouro).

E que nem uns nem outros se valham deste infernal episódio para se atacarem nem para lucrarem politicamente com ataques, denúncias e obtenção de dividendos eleitorais.

Chega! E chega mesmo!

Independente de quem se omitiu, quem não agiu diligentemente, quem não empreendeu esforços e recursos para as áreas essenciais, quem não fiscalizou desmatamentos, assoreamentos e obras irregulares, ou quem fez vista grossa pela cor partidária ou por atender a interesses escusos e beneficiadores de poucos (ah, Velho Brizola de tantas lutas, os “interesses” seguem nos atormentando e assombrando…).

É hora de reconstrução, e esta só pode ocorrer com união, com desprendimento, com vivência de toda uma raça brasileira, independente das diferenças físicas, intelectuais, ideológicas ou de opinião. Podemos demonstrar nossa altivez e desprendimento, nossa condição de bons Espíritos, ou continuarmos marchando na iniquidade, nos vícios, nos defeitos morais e na indigência espiritual.

Falando em espiritualidade é necessário abordar o tema com olhos espirituais-espíritas. Já tivemos algumas oportunidades de abordar catástrofes, acidentes, desencarnes em massa, eventos climáticos, em algumas oportunidades e remeteremos o leitor – caso tenha interesse e disponibilidade para acessar nossos escritos – aos artigos em questão [2].

Em linhas gerais, podemos apresentar alguns elementos considerados fundamentais na Filosofia Espírita, para enquadrar os acontecimentos e as vítimas que se acham envolvidas com este dramático episódio. Vamos a eles:

1) A “necessidade” da desencarnação em efeitos climático-ambientais: pode ser que algumas pessoas tenham assumido as circunstâncias da morte em virtude deste triste evento, escolhendo o gênero de provas que deseja sofrer ou resgatar (conforme os itens 258 e seguintes, de “O livro dos Espíritos”. Pode, não é regra;

2) Não há nenhuma perspectiva de que mortes violentas – como as pessoas que morrem afogadas ou soterradas em escombros – caracterize qualquer vinculação, em termos de expiação de fatos passados;

3) O elemento liberdade – expresso no conceito espírita de livre-arbítrio – em relação às escolhas (conscientes ou não) rege a sistemática de envolvimento direto ou indireto com o evento fatídico. Como ninguém escolhe “conscientemente” morrer afogado, a circunstância do resultado fatal é “aproveitado” como provação na atual encarnação;

4) O conceito de “fatalidade” segundo o Espiritismo, não é o do senso comum, relacionado a eventos fortuitos e “acidentais”, não é obra do “acaso”, nem decorre de “sorte” ou “azar”, obedecendo a diretriz contida no item 851, de “O livro dos Espíritos”; e,

5) Não procede qualquer argumentação em termos de “resgate” de situações pretéritas, como guerras, por exemplo, a vincular os contendores do passado como pessoas que devam “morrer” ou passar “dificuldades” em função da vivência em vida(s) anterior(es), sendo leviano afirmar, seja em nome pessoal, seja com anteparo em discutíveis mensagens mediúnicas, que haja qualquer vínculo coletivo com evento pretérito.

Ainda em profunda emoção e tendo muitos familiares, amigos e conhecidos envolvidos nos efeitos da tormenta, além, é claro, do sentimento fraterno e solidário daqueles brasileiros que, não tendo qualquer vínculo com pessoas ou com o lugar, manifestam sua comoção em relação à enchente, porque somos espíritas e trabalhamos com “energias” espirituais, que possamos desencadear nossas melhores vibrações e preces, inclusive direcionadas ás “equipes espirituais” que acolhem os desencarnados – e os entes queridos que permanecem na existência física, para o incentivo no sentido de reconstruírem suas vidas.

De nossa parte, além disso, que possamos, cada um com suas condições e possibilidades, fazer os donativos financeiros ou de roupas, mantimentos, água e tudo o mais, para que os mais necessitados, envolvidos neste trágico evento, possam se reerguer para continuarem a luta da vida de cada dia.

Então, espíritas? É hora do exercício da “fé raciocinada”, do entendimento da catástrofe com olhos lógico-racionais e expressão de caridade, solidariedade e fraternidade. Porque, como teria dito o Magrão que nos inspira, há dois mil anos, os “meus discípulos serão reconhecidos por muito se amarem”.

Fonte: https://www.comkardec.net.br

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