A Escravagista de Ontem, a Doente de Hoje


Autor: W.A. Cuin

Maristela, uma senhora ainda jovem, mãe de dois filhos pequenos, separada do marido, há algum tempo vem lutando bravamente contra um câncer na região abdominal, com terríveis sofrimentos. Várias cirurgias, longas sessões de quimioterapia, frequentes internações hospitalares e dores constantes.

Quando estava bem de saúde, trabalhava numa loja de confecções e dali obtinha rendimento para o sustento da sua família, mas agora, doente, viu seus recursos financeiros diminuírem enquanto suas despesas aumentam frequentemente, motivo que tem levado os amigos e familiares a socorrê-la, inclusive um grupo de irmãos de uma instituição espírita, sempre presente na vida dela.

Numa noite, na sessão mediúnica dessa instituição espírita, em que são socorridos os Espíritos que ainda necessitam de esclarecimentos e amparo, apresentou-se um Espírito bastante revoltado e demonstrando fortes desejos de vingança. Fora ele acolhido com muito carinho, mas suas primeiras palavras foram de revolta e indignação, enquanto o irmão dialogador tentava acalmá-lo, inicialmente sem muito sucesso, pois ele retrucava:

– Você não está vendo, sou uma negrinha, sim, uma negrinha da senzala, sem valor nenhum. Olha o meu estado, pareço mais um farrapo humano, se é que sou um ser humano, pois os negros não são considerados gente.

O Espírito era, então, consolado pelo irmão dialogador, falando que somos todos filhos de Deus, que ela era, sim, uma filha do Pai Celestial e que a maldade existente na Terra era fruto exclusivo dos homens. Ela continuava:

– Eu era escrava na casa grande e servia a sinhá e ao sinhô, mas você sabe né, tinha que servi o Sinhô em todos os seus desejos e eu “emprenhei”. Quando a sinhá soube se cobriu de ódio. Um dia me chamou para perto do fogão e, num gesto tresloucado, apanhou o ferro de marcar o gado, vermelho em brasa e socou na minha barriga. Não consigo dizer ao senhor a dor terrível que senti, com a queimadura profunda. Depois pediu para o capataz da fazenda me jogar da senzala, onde eu gritava de dores e aos poucos fui apodrecendo. Quando já estava quase sem vida, a sinhá determinou que eu fosse jogada próximo a uma mata onde, ainda com alguma lucidez, sentia as bicadas dos urubus que comiam o meu corpo. Agora eu encontrei a sinhá, ela ainda continua uma mulher bonita, sempre achei ela muito bonita, depois de longos anos de procura, e vou fazer com ela o que ela me fez. Mas o que me deixa indignada é que ninguém me socorreu quando eu estava apodrecendo, mas agora vocês estão sempre a ajudando. Ela também está apodrecendo, e vou piorar a situação dela, para que sinta tudo o que senti.

Nosso irmão dialogador, aos poucos, com bastante carinho e sensibilidade, foi acalmando aquele Espírito, que há mais de um século ainda estava preso àquele passado de dor e abandono, informando a ele que, pela lei de causa e efeito, ninguém precisa exercer qualquer vingança, pois cada criatura sempre responde pelos atos que pratica.

Aquele Espírito, muito debilitado e cansado de intensos e longos sofrimentos, fora acolhido fraternalmente pelos benfeitores espirituais que prestavam serviços naquela instituição espírita, sendo conduzido para o tratamento adequado que seu quadro exigia.

A sinhá de ontem resgata hoje, por meio do câncer, os erros cometidos, tendo, obviamente, a oportunidade de reparar os males praticados, sentindo no próprio corpo a dor que causou no corpo alheio, conhecendo a lei de ação e reação e aprendendo que a vida nos devolve sempre aquilo que a ela ofertamos. No entanto, não está desamparada, pois a solidariedade de muitos tenta diminuir suas agruras.

 Em realidade, Deus não castiga ninguém. Cada um de nós colhe agora a produção que vem da semente que plantamos outrora. E se a produção não está sendo boa é porque a semeadura também não foi, então, na atualidade, escolhamos melhores as sementes, para que no futuro nossas colheitas sejam promissoras.

Fonte: Folha Espírita

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