Por João Márcio F. Cruz
As palestras nas casas espíritas
tornaram-se – em muitos casos – uma versão pós-moderna do “pão e circo” romano.
Divertem, mas não consolam; informam, mas não esclarecem. Uma oratória “água
com açúcar” deixando-nos a todos obesos intelectuais e diabéticos de afeto.
Para compreender esse modus operandi esotérico, urge recorrer ao método
emancipador freiriano.
Você sabe por que um dos livros mais
conhecidos de Paulo Freire se chama Pedagogia do Oprimido e não Pedagogia para
o Oprimido?
Durante tempos imemoriais, grupos
secretos (Índia, Grécia, Egito, Europa Medieval etc.) subestimavam a “massa”,
privando-a do conhecimento. Um pequeno grupo de elite que tinha acesso à
informação e monopolizava-a para manter o “rebanho” subserviente e refém de
dogmas e tabus. Eles justificavam esse sigilo informacional afirmando que o
povo era incapaz de compreender a profundidade do conhecimento e, por isso,
poderia conduzir-se de forma irresponsável e perigosa; logo, mantê-lo longe do
saber profundo era uma questão profilática para protegê-lo de si mesmo.
Isso lembra muito as folgas nas tardes
de domingos concedidas a quem trabalhava na linha de montagem. Os patrões
diziam: - Se dermos mais folgas aos operários, eles se embriagarão...
Com a revolução proletária
desmascarou-se essa exploração alienadora ao perceber-se que não existia,
realmente, preocupação com a saúde dos trabalhadores, mas zelo com a produção e
o lucro.
Da mesma forma, as elites de sociedades
secretas do passado (religiosas, filosóficas, científicas) escondiam o
conhecimento para manter seu poder e controle das massas.
A revolução que o Espiritismo realizou
no século XIX foi nesse sentido. Os espíritos anunciaram que “é chegado o
momento de dissipar as trevas da ignorância para confundir os sábios e exaltar
os simples...” Deus, da mesma maneira que libertou o povo do jugo no Egito,
oferece-nos o consolador prometido. Aquele que viria esclarecer pontos obscuros
do evangelho de Jesus para libertar consciências e curar lepras da alma e do
corpo.
Porém, o que encontramos em muitos
centros espíritas?
O mesmo modo “elitizado” e centralizado
nas palestras, considerando o povo incapaz de compreender os conceitos
doutrinários complexos e profundos.
Até a década de 1950, para ler um livro
de medicina, era preciso ser médico, acadêmico de medicina. Você exibia sua
carteira de aluno na livraria e tinha a permissão para comprar o livro. Do
contrário, nem comprar você conseguia. Era um conhecimento “secreto” e restrito
à elite do jaleco branco.
Vários confrades espíritas ainda
alimentam esse pensamento: - O povo não entende questões complexas. Devemos
oferecer-lhe apenas algodão doce!
Ariano Suassuna, o grande teatrólogo,
escritor e poeta, dizia: - Quem diz que cachorro só gosta de osso, experimente
jogar um filé para ele.
Assim é o povo. Só dão “osso” para ele e
dizem que é “bife, filé”...
Esse grupo de doutrinas secretas do
passado perdura nos tempos atuais. São os mesmos espíritos reencarnados nas
fileiras kardecistas, tentando elitizar, manipular, monopolizar o que deveria
ser oferecido a todos.
Na parábola do semeador, Jesus deixa
claro. A semente cairá em terrenos distintos. Em três deles, a semente
perecerá, apenas em um ela florescerá.
Não importa! A diversidade é a riqueza
da jornada dos espíritos. Cabe a nós semear. O que cada um entenderá ou o que
fará com a informação é de sua responsabilidade.
A democratização do conhecimento é uma
conquista neste momento de transição planetária. Em pleno século XXI, basta ir
à internet e você baixa, gratuitamente, um livro de medicina para lê-lo no
conforto do seu lar.
Quando o povo, tratado como rebanho ou
massa incapaz, tem acesso à informação, ele realiza uma revolução, tão temida
pela elite.
Por isso, Paulo Freire escreveu seu
livro singular. Pedagogia “para” o oprimido seria um arcabouço conceitual
educacional criado por uma elite (branca, rica, heterossexual, conservadora) e
oferecido como “esmola pedagógica” para os oprimidos, fortalecendo mais ainda o
estereótipo de incapazes, de impotentes. Ele escolhe, prudentemente, Pedagogia
“do” oprimido. Um conjunto de práxis docente, transformadora, libertadora,
revolucionária, elaborada pela própria classe oprimida (negros, pobres, índios
e etc...) mostrando, na teoria e na prática, que o povo é capaz, tem autonomia
e pode transformar esta nação, se tiver oportunidade.
Se a Doutrina Espírita consola, liberta,
cura, emancipa, devolve esperança e autonomia, a doutrina de determinados
centros espíritas aliena, escraviza, idiotiza, monopoliza, infantiliza.
Existem – na prática – duas doutrinas
espíritas.
A primeira é aquela codificada por Allan
Kardec em parceria com os espíritos superiores. A segunda é uma colcha de
retalhos de conceitos e léxicos inventada e adulterada pelo movimento espírita
que misturou os princípios doutrinários com autoajuda, filosofia do pensamento
positivo, lei de atração, esoterismo americano e filosofia new age.
Enquanto a doutrina espírita, revelada
pelos espíritos superiores democratiza a informação, a doutrina de alguns
centros monopoliza e elitiza. Dessa forma, é fácil entender o sono da plateia,
o tédio, a pirotecnia dos oradores, o hipnotismo das performances e a
infantilização dos temas, mantendo o povo imaturo, inconsciente e escravo de
intermediários sacros...
Ninguém aguenta mais cochilar durante as
palestras!
Quem quiser dormir, procure um sonífero.
Casa espírita é lugar para despertar, acordar para as realidades existenciais e
transcendentais. Algodão doce é para crianças. Queremos comida de verdade!
Paremos de entorpecer as plateias com guloseimas vazias e alienantes. Alimento
para alma, refrigério para os corações e lucidez para os cérebros, é isso o que
toda pessoa busca quando procura uma palestra.
E se, ainda assim, existir algum orador
espírita que insiste em esconder informação da plateia, sinto muito informá-lo.
Está perdendo seu tempo!
Se o palestrante não ensina, o povo vai
à banca da esquina, compra um livro espírita e terá acesso a todo o
conhecimento disponível, porque os espíritos da falange Verdade libertaram
todas as verdades e segredos, tirando-as das mãos de castas superiores e oferecendo
a nós, democraticamente, porque o sol nasce para todos.
Não existe nada oculto que um dia não
venha a ser revelado.
Quem tiver olhos de ver, que veja...
Quem tiver ouvidos de ouvir, que ouça...
Ninguém... ninguém consegue impedir a
força da correnteza do progresso que chegou...
Nos quatros cantos do mundo anjos tocam
suas trombetas e anunciam:
- Chegou o tempo...
Fonte: O Consolador
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