Jorge Hessen
Recentemente,
fomos a um velório e nos vimos constrangidos a ouvir um "pastor",
pregando a insustentável tese da unicidade das existências. Aliás, assunto
inoportuno para a ocasião. O religioso, sempre com a bíblia de folhas
desgastadas debaixo do braço, umedecido de suor, certamente, foi convidado a
falar sobre o tema por solicitação da família do desencarnante. Detalhe: tais
parentes "crentes", do "morto", sabiam que espíritas estariam
presentes no local. Ao revés, poderiam ter aproveitado a oportunidade do
sepultamento para orar ou discorrer, sem afetação, sobre a imortalidade da alma
(como ensinou Jesus) e sobre o valor da existência humana. Porém, infelizmente,
para esses cristãos, narcotizados pela ideia de "salvação" e que
pensam poder comprar a "felicidade eterna" através dos dez por cento
"doados" para a igreja, "a morte ainda exprime realidade quase
totalmente incompreendida na Terra".
Em
outra ocasião, fui informado, por uma grande amiga, líder espírita no DF, de
que um irmão, também espírita conhecido na cidade, solicitara-lhe um espaço no
salão de palestras, para velar um corpo (o desencarnado era endinheirado).
Velório, no centro espírita? Rimos, eu e ela, muito embora, lamentando o triste
episódio. É óbvio que a solicitação do imaturo confrade lhe fora negado.
Velórios!
Eis o nosso tema. Essa celebração se desviou, e muito, do sentido religioso,
pois, acima das emoções justificáveis, por parte dos parentes e amigos,
ostenta-se um funeral por despesas excessivas com flores, santinhos,
escapulários, velas [o uso de velas não tem valia para o espírita, pois só
imprime um aspecto mais lúgubre à morte] etc., etc. A eventual preocupação com
a conservação dos túmulos, que, normalmente, só são lembrados no dia consagrado
aos mortos, no mês de novembro, responde por um protocolo social, também,
extravagante. Não devemos converter as necrópoles vazias em "salas de
visita do além", qual recorda o escritor Richard Simonetti, até
porque há locais mais indicados para expressarmos o nosso sentimento aos que já
desencarnaram. Não aprovamos, nem reprovamos, intransigentemente, as homenagens
fúnebres, em memória de alguém, pois, "são justas e de bom exemplo". Todavia, a Doutrina Espírita revela que o
desejo de perpetuar a lembrança que as pessoas deixam de si, nos imponentes
mausoléus, vem do derradeiro ato de orgulho. "A suntuosidade dos
monumentos fúnebres, determinada por parentes que desejam honrar a memória do
falecido, e não por este, ainda faz parte do orgulho dos parentes, que querem
honrar-se a si mesmos. Nem sempre é pelo morto que se fazem todas essas
demonstrações, mas por amor-próprio, por consideração ao mundo e para exibição
de riqueza."
Devemos
sempre dispensar, nos funerais, as honrarias materiais exageradas e as
encenações, pois, considerando que "nem todo Espírito se desliga
prontamente do corpo", urge que lhe enviemos cargas mentais favoráveis de
bênçãos e de paz, através da oração sincera, principalmente, nos últimos
momentos que antecedem ao enterramento ou à cremação. Oferenda de coroas e
flores deve transformar-se "em donativos às instituições assistenciais,
sem espírito sectário".
Pasmem!
Já, até, inventaram o velório virtual (visualização a distância) das cerimônias
fúnebres de entes queridos e o encaminhamento de condolências via e-mail. Salas
de velório foram equipadas com câmeras que permitem, em tempo real, uma visão
geral do público e da pessoa que está sendo velada. Nesses casos, parentes e
amigos podem enviar as mensagens de condolências para a família por meio de um
link por site que oferece técnicas de preparação de corpos como a tanatopraxia e
a necromaquiagem, além de produtos como, urnas, mantos, vestuário etc. Sobre
isso, sabemos que, quando comparecemos a um velório, cumprimos sagrado dever de
solidariedade, oferecendo conforto à família. "Infelizmente, tendemos a
fazê-lo pela metade, com a presença física, ignorando o que poderíamos definir
por compostura espiritual, a exprimir-se no respeito pelo ambiente e no empenho
de ajudar o morto."
Analisemos
o fato da desencarnação do cantor e ator, Michael Jackson. Mais de meio milhão
de admiradores, de todo o mundo, solicitaram entradas para o serviço fúnebre de
seu corpo, agendado para os próximos dias. O nosso irmão, "rei do
pop", certamente, está na mais atroz penúria na dimensão póstuma, devido à
tresloucada emanação de energias mentais desfavoráveis dos "fãs". Em
razão disso, admitimos que, nesse caso, felizes são os obscuros indigentes,
porque são velados nas câmeras dos institutos médico-legais, posto que o
velório e o sepultamento são, quase sempre, mais um motivo de sofrimento para o
desencarnante. É óbvio que as preces, pelos Espíritos que acabam de deixar a
Terra, têm por fim, não apenas, proporcionar-lhes uma prova de simpatia, mas,
sobretudo, ajudá-los a se libertarem das ligações terrenas, abreviando a
perturbação que, normalmente, ocorre após a separação do corpo, e tornando mais
tranquilo o seu despertar. No caso em tela, os idólatras transmitem
emoções angustiantes em face da saudade, razão pela qual suas súplicas
desconexas têm alcance limitado.
Imaginemos
a situação desconfortante do Espírito, ainda ligado ao corpo, mergulhado num
oceano de vibrações heterogêneas emitidas por pessoas, em nome da admiração,
mas agem como indisciplinados espectadores a dificultar a tarefa de diligente
equipe de socorro, no esforço por retirar um ferido dos escombros de uma casa
que desabou. "Contribuição" lamentável, essa! "Preso à
residência temporária, transformada em ruína pela morte, o desencarnante, em
estado de inconsciência, recebe o impacto dessas vibrações desajustantes que o
atingem penosamente, particularmente as de caráter pessoal. Como se vivesse
terrível pesadelo, ele quer despertar, luta por readquirir o domínio do corpo,
quedando-se angustiado e aflito."
São
muitos os que, a título de se despedirem do "defunto", fazem do
cemitério uma extensão a mais do barzinho da esquina, discutindo assuntos
triviais como política, negócios e futebol – quando, não, coisas piores. Isso,
obviamente, tornará mais penosa a travessia entre os dois mundos. Mais do que
nunca, o desencarnado precisa de vibrações de harmonia, que só se formam
através da prece sincera e de ondas mentais positivas. Em o livro Conduta
Espírita, o Espírito André Luiz adverte: "proceder corretamente nos
velórios, calando anedotário e galhofa em torno da pessoa desencarnada, tanto
quanto cochichos impróprios ao pé do corpo inerte. O companheiro recém-desencarnado
pede, sem palavras, a caridade da prece ou do silêncio que o ajudem a
refazer-se". É importante expulsar de nós "quaisquer
conversações ociosas, tratos comerciais ou comentários impróprios nos enterros
a que comparecermos". Até porque a "solenidade mortuária é ato
de respeito e dignidade humana".
Lamentavelmente,
"poucos se dão ao trabalho sequer de reduzir o volume da voz, numa zoeira
incrível, principalmente ao aproximar-se o horário do sepultamento, quando o
recinto acolhe maior número de pessoas". Temos
motivos de sobra para o comedimento. Por isso, cultivemos o silêncio,
conversando, se necessário, em voz baixa, de forma edificante. Falemos no morto
com discrição, evitando pressioná-lo com lembranças e emoções passíveis de
perturbá-lo, principalmente, se forem trágicas as circunstâncias do seu
falecimento. Oremos muito em seu benefício, porque morre-se como se vive. Se
não conseguirmos manter semelhante comportamento, melhor será que nos retiremos
do ambiente, evitando engrossar o barulhento coro de vozes e vibrações
desrespeitosas, que tanto atormentam o desencarnado, quanto aos que lá
comparecem com objetivos nobres de captar energias dos planos superiores, do
foco causal, em favor do próximo que parte para outra dimensão.
É
oportuno também explicar ao amigo leitor que a perturbação que se segue à morte
nada tem de, insuportavelmente, dolorosa para o justo, aquele que esteve na
Terra, sintonizado com o bem. Todavia, para os que viveram presos ao egoísmo,
escravos dos vícios e ambições mundanas, a morte é uma noite, cheia de
horrores, ansiedades e angústias, apesar de essa perturbação ser considerada o
estado normal no instante da morte e perdurar por tempo indeterminado, variando
de algumas horas a alguns anos. Em algumas pessoas, ela é de curtíssima
duração, quase imperceptível, e nada tem de dolorosa - poderia ser comparada
como um leve despertar. No entanto, para outras, o estado de perturbação pode
durar muitos anos, até séculos, e pode configurar um quadro de sofrimento severo,
com angústia e temores acerbos. Alguns Espíritos mergulham em sono profundo e,
nesse estado, ficam durante um tempo muito variável. "O conhecimento que
nos tiver sido possível adquirir das condições da vida futura exerce grande
influência em nossos últimos momentos; dá-nos mais segurança; abrevia a
separação da alma."
O
equilíbrio mental dos familiares, ante o desencarne, será de fundamental
importância na recuperação do Espírito. Pensamentos de revolta e desespero o
atingem como dardos mentais de dor e angústia, dificultando a sua recuperação.
A atitude inconformista da família pode criar "teias de retenção",
prendendo o Espírito ao seu corpo. É natural que muitos chorem na hora da
morte, porém, contendo o desespero. É mister que nos resignemos diante desse
fenômeno natural da vida, ainda que, por vezes, inesperado, vendo, nisso, a
manifestação da Sábia Vontade que nos comanda os destinos. Em verdade, as
lágrimas podem, até, aliviar-nos o coração, entretanto, a atitude do espírita
deve ser de compreensão e oração. O dia que tivermos certeza de que o que
enterramos não é este ou aquele ser, mas um corpo que serviu para a valorização
existencial de alguém que amamos, e que esse alguém estará sempre presente em
nossa memória, pois que, experimentamos, apenas, um intervalo momentâneo, se
comparado à eternidade, nosso comportamento será outro, muito mais harmonioso
com esse fenômeno biológico, a que denominamos "morte".
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