Por Jorge Hessen
Assisti a alguns depoimentos e fiquei
maravilhado. Constatei que há pessoas admiráveis, inobstante graves limitações
físicas, que amam viver a vida em plenitude e superam obstáculos que desafiam a
própria razão.
Fernando Xavier é uma dessas criaturas
extraordinárias. Ele sofre de esclerose lateral amiotrófica - “ELA”, também
conhecida por doença de “Lou Gehrig” ou mal de “Charcot”. Uma patologia
neurodegenerativa progressiva (1).
À medida que a moléstia progride,
geralmente depois da perda das habilidades de locomoção, fala e deglutição, se
não houver tratamento imediato, o doente desencarna em pouco tempo, devido à
incapacidade respiratória advinda da atrofia dos músculos associados à
respiração.
A expectativa de vida varia de indivíduo
para indivíduo, porém em termos estatísticos mais de 60% dos doentes só
sobrevivem entre 2 a 5 anos (2).
Contam os especialistas que os
portadores da “ELA” são pessoas especiais e apaixonantes, buscam esclarecimento
e novas possibilidades de tratamento para a doença e, sobretudo, lutam
constantemente para sobreviver.
Para corroborar essa verdade, quatro anos atrás, Xavier foi internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) de um hospital de Ariquemes, no estado de Rondônia. Desde sua internação fala de Deus, de amor e de otimismo nas suas construções poéticas (escritas com auxílio de uma cuidadora), dizendo que adora viver ao que chama de “vida maravilhosa” e que é plenamente feliz no hospital (3).
Rememoro o austero físico britânico
Stephen (William) Hawking, talvez um doente nem tão otimista quanto Xavier,
porém considerado um dos mais brilhantes cientistas do século 20. Ajudou a
entender a origem do universo, a função dos “buracos negros” e, de quebra,
escreveu as 262 páginas do maior best-seller da ciência para leigos: “Uma Breve
História do Tempo”. Conseguiu tal façanha sem poder mover o corpo.
Aos 21 anos foi diagnosticado com “ELA”.
Os médicos lhe deram 2 anos de vida. A doença afetou a fala, cada vez mais
desarticulada, entretanto ele conseguia se comunicar. Ditou à secretária o
rascunho do livro em 1984.
Em 1985, porém, Hawking teve uma
pneumonia grave e precisou fazer uma traqueostomia de emergência, o que o levou
a perder definitivamente a voz. Mudo e quase todo paralisado, passou a levantar
uma sobrancelha quando alguém apontava para letras.
Mais tarde adotou o software Equalizer,
que permite escrever frases selecionando palavras de um menu com um movimento
sutil da bochecha. Por fim, um sintetizador de voz instalado com o Equalizer trouxe
de volta a fala (eletrônica). Hawking ocupou a cadeira de Isaac Newton na
Universidade de Cambridge até 2009, comunicando-se apenas com imperceptível
movimento da bochecha.
Nestas reflexões surgiu-me à mente a
personalidade de Antônio Francisco Lisboa, "o aleijadinho", vítima de
uma hanseníase deformante, mas isso não o impediu de insculpir diante da Igreja
do Santuário do Senhor do Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas do Campo/MG, 66
estátuas da via-crúcis, em cedro-rosa e 12 estátuas dos profetas, em
pedra-sabão, entre outras obras-primas do barroco brasileiro.
Não poderia deixar de citar Helen Adams
Keller, uma das dez mulheres mais importantes dos EUA. Keller era escritora e
conferencista norte-americana. Nasceu cega, surda e muda e tornou-se um símbolo
de tenacidade na superação de suas próprias deficiências.
Aos 6 anos passou a ser orientada por
Anne Sullivan (jovem irlandesa de 21 anos de idade, recém-formada pela Escola
de Cegos Perkins, de Boston/EUA). A menina Helen e a jovem Anne, ambas com
perseverança ímpar, realizaram um prodígio: graças à tenacidade fraternal de
Sullivan, Helen aprendeu a ler, escrever e pronunciar palavras, diplomando-se
em humanidades, com louvor, no Radcliffe College, de Cambridge/EUA, em 1904.
Nos termos destes argumentos, invoco o
venerável vulto de Jerônimo Mendonça Ribeiro, um orador e escritor espírita de
primeira linha.
Mesmo encarcerado numa cama ortopédica
(era tetraplégico e totalmente cego), trabalhava duramente pela difusão do
Espiritismo. Sua via-crúcis começou aos 17 anos, quando foi acometido por uma
artrite reumatoide deformante. Aos 19 passou a usar muletas e, sem encontrar um
tratamento médico possível, foi gradualmente impelido para cadeira de rodas e
posteriormente sentenciado para uma cama ortopédica (penitenciária móvel). Como
se não bastasse, ele teve problemas cardiológicos. Apesar das grandes
dificuldades, sempre mantinha o bom ânimo e dava conselhos a milhares de
espíritas que o visitavam para rogar ajuda.
Deitado no leito ortopédico, depois de
perder o movimento das pernas, dos braços e a visão, Jerônimo Mendonça, criou
uma gráfica, escreveu 5 livros, gravou 2 LPs e em 1983 fundou algumas
instituições espíritas com destaque para o Lar Espírita Pouso do Amanhecer, que
atendia desde então 200 crianças carentes diariamente.
Certa vez um repórter lhe perguntou o
que é a felicidade. Ele respondeu: “a felicidade, para mim, deitado há tanto
tempo nesta cama sem poder me mexer, seria poder virar de lado”. Jerônimo
sempre com bom humor dizia: “Casei-me com a Doutrina Espírita no civil e
com a dor no religioso, (...) Nesta batalha [contra a doença] é preciso lutar e
vencer, jamais ser vencido. Enquanto me ferem os grilhões, liberto-me do homem
velho que fui, antevendo horizontes inatingidos (...) Onde a mestra dor
dar-me-á a alforria merecida”.
Ganhou de um grande amigo espírita uma
Kombi, a fim de que pudesse ser conduzido às conferências que realizava. Não
seria demasia dizer que ele conseguiu transformar seu “leito-prisão” numa espécie
de tribuna ambulante.
Percorreu todo o país, e por meio dela
conseguiu realizar valiosos trabalhos. Sua voz sempre bem postada, seu ânimo
inquebrantável, apesar das dores que sentia em função de problemas cardíacos e
da própria paralisia total dos membros, fizeram-no conhecido como “O Gigante
Deitado”, respeitado, querido e sempre requisitado para importantes eventos
espíritas.
Em razão das diversas viagens que fez
para divulgar a Terceira Revelação, Jerônimo segredou com docilidade:
"- Minha mãe é uma mulher
analfabeta de 82 anos, mas de Espírito muito inteligente. Ela chegou perto de
mim e disse:
- Você vai viajar outra vez?
- Eu disse: Sim.
- Meu filho, eu não entendo. Estou quase
acreditando nesta reencarnação (ela não era espírita) de que você tanto fala.
- Falei: Por quê, mãe?
- Eu não tenho 9 filhos?
- Tem.
- Dos 9 você não é o único paralítico?
- Sou.
- Pois é... e é o único que não para em
casa!
Falei: - Mãe!! Mas eu não posso ser
paralítico da alma! Paralítico do corpo é uma coisa, porém a mais terrível
paralisia é a paralisia da alma. É a alma que se sente inútil dentro da
vida..."
A cama ortopédica era a sua cruz e a
dor, a sua companheira inseparável; todavia, em Jesus ele encontrou o conforto
e o melhor exemplo que seguiu a vida inteira.
Muitas vezes a pressão arterial e a
frequência cardíaca, em momentos de crise, não conseguiam ser medidos pelos
esfigmomanômetros, tal a sua fragilidade. E imaginar que Jerônimo Mendonça não
desanimou de viajar, trabalhar, agir. Seu lema era “Não perder a calma jamais”.
Jerônimo permaneceu tetraplégico e cego
por mais de trinta anos consecutivos, preso ao leito-prisão até o seu
desencarne, ocorrido em novembro de 1989.
Na sua desencarnação um fato bastante
intrigante aconteceu durante o velório. Sabemos que o leito em que viveu
deitado por mais de 30 anos era uma cama adaptada com várias dobras, pois as
suas pernas não podiam ficar abaixadas. Quando seu corpo estava na funerária os
funcionários quiseram serrar as pernas curvadas do “Gigante Deitado” para
esticá-las, pois não havia ataúde apropriado.
Foi um episódio chocante e a cidade de
Ituiutaba inteira se movimentou contra a decisão. Ao final a funerária teve que
confeccionar um esquife adaptado para aquele corpo disforme, que foi templo de
uma das mais belas almas do Universo.
Nossa eterna gratidão a Jerônimo
Mendonça!
Referências:
(1) A “ELA” não compromete o
raciocínio intelectual, a visão, a audição, o paladar, o olfato e o tato.
(2) É preciso que o paciente, a
partir de um determinado estágio da doença, seja acompanhado de perto por outra
pessoa em função da incapacidade de executar as suas tarefas rotineiras. Como a
doença não afeta as suas capacidades intelectuais, o paciente percebe tudo que
acontece a sua volta, vivencia, por isso, lucidamente a doença e a sua
progressão, havendo, porém, dificuldades de comunicação com outras pessoas, caso
já exista comprometimento dos músculos da fala.
(3) Disponível em G1.globo (acesso em 01/02/2014).
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