Por Anselmo Vasconcelos
Polêmicas e interpretações equivocadas
têm prejudicado o avanço do movimento espírita. Recentemente assisti a uma
palestra em determinado Centro e, em dado momento, o orador fez algumas afirmações
no mínimo inquietantes. No ardor da sua exposição criticou o médium Divaldo
Pereira Franco por sua fala “empolada”. Na sua opinião, precisamos simplificar
mais. Mas será, pergunto eu, que falar bem o idioma tornou-se um defeito de
oratória ou será que nos tornamos vítimas da hipersimplificação?
Há estilos e “estilos” distintos de
abordagem dos assuntos, havendo espaço para todos os gostos, mas não devemos
tomar a nossa preferência pessoal como baliza de tudo. O que não me parece
razoável, é esperar que um palestrante, articulista ou escritor corrija todas
as deficiências de aprendizado da audiência - aliás, problema generalizado como
apontam os testes de nível educacional e quejandos efetuados no Brasil -, a
começar pela boa vontade de simplesmente ler a literatura e de dominar a língua
pátria nem que seja parcialmente.
Noutro ponto da sua alocução falou a
respeito dos jovens e as suas dificuldades em abraçar a doutrina (muitos
outros, aliás, já fizeram semelhantes observações), e o desafio de tornar o
Centro “mais próximo” deles etc. Pode-se viabilizar certas medidas, mas,
convenhamos, não vejo como substituir a indispensável iniciativa e persistência
individual. Cumpre destacar que não devemos jamais esquecer que o Espiritismo é
uma doutrina que postula, de maneira cristalina, a necessidade do estudo
permanente desde a sua codificação por Kardec. Requer-se, assim, intenso
esforço e dedicação da parte do simpatizante para verdadeiramente
compreendê-la.
Recordo-me, aliás, que fui há algum
tempo atrás interpelado a esse respeito por uma jovem amiga (com formação
universitária e em plena ascensão em sua carreira profissional). Em sua visão,
os textos espíritas apresentam uma linguagem “complexa e de difícil compreensão
para o público leigo”. Disse-me ainda que os termos e expressões utilizadas
fogem “do nosso idioma corriqueiro”. Ela queria saber, enfim, a razão da
linguagem “vedada” da doutrina...
Creio que as observações e percepções
acima são semelhantes às de muitas outras pessoas e, por isso, merecem algumas
considerações. No caso em questão, pacientemente argumentei que se ela fosse
buscar uma outra religião, provavelmente ela se depararia com expressões e
abordagens típicas dela, o que lhe exigiria certo esforço de leitura e estudo.
Desse modo, o mesmo se sucede com o Espiritismo, que tem o seu próprio léxico e
cabedal de conhecimentos.
Na verdade, qualquer assunto ou tema do
saber humano é moldado por expressões ou jargão específico, de modo que tal
crítica ao Espiritismo é absolutamente improcedente. Quanto ao estilo dos
autores – espirituais ou não –, cabe destacar que se trata de escolha
individual, e o leitor mais interessado certamente aí também encontra excelente
oportunidade de ampliar o seu repertório linguístico. Nesse sentido, fico a imaginar
alguns gênios da literatura do passado sendo admoestados pela sua forma de
escrever... ou até mesmo Espíritos como André Luiz, Joanna de Ângelis ou
Emmanuel sendo apodados como incompreensíveis.
Reportando-me um pouco mais sobre as
críticas proferidas por aquela moça, e considerando o seu perfil demográfico,
enviei-lhe uma cópia digital do meu livro
Espiritismo, Gestão de Empresas e Carreiras Profissionais: Algumas
Reflexões e Recomendações, publicado (gratuitamente) pela EVOC Editora Virtual,
em 2022. Fiz isso na esperança de aguçar-lhe a curiosidade para assuntos
pontuais do trabalho por mim esmiuçados à luz do Espiritismo. No entanto,
alguns meses depois da minha iniciativa indaguei-a se tinha conseguido ler
algum capítulo ao que ela sem rodeios me respondeu: “Puxa, ainda não!”
Com efeito, a Doutrina Espírita não pode
preencher ou corrigir, e nem a ela cabe, eventuais deficiências nossas de
aprendizado da língua ou de qualquer outra disciplina do conhecimento humano, e
tampouco a falta de sincero interesse à leitura. Apesar disso, noto que alguns
livros trazem até mesmo esclarecedoras anotações dos termos usados, como, por
exemplo, Entrega-te e Deus, ditado pelo Espírito Joanna de Ângelis (psicografia
de Divaldo Pereira Franco). Por isso, entendo que devemos subir a própria barra
da autoaplicação e nos empenhar sincera e devotadamente em aprender, sejamos
jovens, adultos ou velhos.
Nos últimos doze meses aproximadamente
presenteei três pessoas muito queridas com o livro Paulo e Estêvão, ditado pelo
Espírito Emmanuel (psicografia de Francisco Cândido Xavier), que relata a vida
destes extraordinários Apóstolos. Aliás, verdadeiro clássico doutrinário. Para
minha surpresa não recebi nenhum comentário delas a respeito do teor da obra, o
que me levou a seriamente cogitar que não leram a sublime obra tão cheia, a
propósito, de ensinamentos e aprendizados. Indiquei-o a uma outra pessoa que me
confessou, em dado momento, não ter
conseguido chegar até o fim.
Reitero, portanto, que há uma parte que
só a nós compete realizar, ou seja, a de ler (estudar), meditar e aplicar. É
importante frisar que a popularização da Doutrina Espírita nos dias atuais é
digna de nota, pois os artigos, livros, palestras, podcasts, sites, programas
de rádio e outras formas de divulgação estão disponíveis a todos, muitas vezes
gratuitamente. Assim sendo, não é por falta de opções e alternativas que se
deixa de aprender.
Voltando ao colega palestrante acima
aludido, recordo-me ainda que ele também fez uma crítica velada ao livro
Memórias de um Suicida, de autoria do Espírito Camilo Cândido e psicografada
por Yvonne A. Pereira, insinuando-o ser pesado demais. Admitamos que a vida
humana em si, normalmente repleta de altos e baixos, é altamente complicada.
Reconheçamos que o uso do livre arbítrio nos faculta possibilidades sem conta,
mas devemos por ele responder com plena responsabilidade.
Convenhamos, se a ideia central do
Espiritismo é informar à humanidade sobre a continuidade da vida, o tema do
suicídio e as suas agruras não poderiam ser negligenciados, ainda mais quando
se observa o crescimento mundial desse ato extremo. Calarmos sobre tão
importante assunto seria faltar com a caridade do esclarecimento. Aliás, como
humildemente escreveu o próprio autor espiritual da obra:
“Não os convidarei a crer. Não é assunto
que se imponha à crença, simplesmente, mas ao raciocínio, ao exame, à
investigação. Se sabem raciocinar e podem investigar – que o façam, e chegarão
a conclusões lógicas que os colocarão na pista de verdades assaz interessantes
para toda a espécie humana! [...].” (ênfase minha)
Por outro lado, o Espiritismo continua
sendo mal interpretado no âmbito acadêmico. Na Europa, por exemplo, o
“Kardecismo” é visto, conforme me revelou o editor de uma destacada publicação,
não como religião (muito menos cristã) pelos scholars, mas como uma espécie de
“tradição esotérica” típica do continente. Ou seja, eles parecem encontrar
grandes dificuldades de aceitar - mesmo tendo Kardec declarado como todas as
letras - que Espiritismo é também religião (ver, a propósito, o artigo
intitulado “O Espiritismo é uma religião?” na Revista Espírita de dezembro de
1868).
Os Centros Espíritas no exterior, por
sua vez, parecem não estar conseguindo atrair e/ou compatibilizar o conteúdo
doutrinário aos outsiders. Um estudo recentemente publicado no International
Journal of Latin American Religions trata das dificuldades de integração doutrinária
entre os espíritas brasileiros e os alemães. Na verdade, o interesse maior pela
doutrina, segundo vários relatos, continua partindo dos brasileiros residentes
em outros países e respectivos filhos.
Em resumo, parece que o movimento
espírita ainda não conseguiu superar certos obstáculos à sua propagação, e as
pessoas não têm feito o esperado esforço de aprendizado para assimilar-lhe
adequadamente.
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