Por Rogério Miguez
A chamada sabedoria popular tem
acertos e desacertos quando cria um ditado, uma máxima, um pensamento e este
passa a ser repetido com se fosse uma verdadeira lei de Deus, ou uma verdade
inconteste. A partir do momento em que a frase é aceita pelo povo, ninguém mais
ajuíza se ela seria boa, coerente, útil, verdadeira ou não. Basta repeti-la,
lembrando-a, sempre que a ocasião for oportuna. Aliás, em um momento em que se
aceitam tantas inverdades - fake News -, como se fossem fatos, pedir para
refletir sobre estes conceitos, poderia ser visto como um imenso contrassenso e
perda de tempo.
Se alguém questiona a propriedade do
adágio, é visto como inconveniente ou quem sabe estúpido, por não compreender a
tão propalada sabedoria do dito popular. Afinal a voz do povo é a voz
de Deus, certamente um significativo exemplo de um princípio estranho.
São incontáveis e podemos de imediato
lembrar e comentar alguns:
1.
Quando morremos passamos desta para melhor
As muitas existências terrenas
representam oportunidades dadas por Deus para pormos em prática as nossas
incipientes virtudes, resgatando, ao mesmo tempo, possíveis faltas cometidas no
passado e durante essa mesma jornada. Um mecanismo sábio e justo.
Sendo assim, quando desejamos
ardentemente morrer para passar a viver no outro lado, sugerimos que o método
de evolução divino estaria errado, pois apenas a vida no plano etéreo nos
permitiria alcançar a felicidade tão desejada, por aqui jamais encontrada.
Indica também que a existência em mundos
materiais nada mais oferece do que um enfrentamento de dores e tristezas e, no lado
de lá, finalmente, encontraríamos tudo que nos agrada e que nos foi
impedido de desfrutar durante a existência na matéria.
Ledo engano!
A vida no plano etéreo será sempre o
reflexo do que vivemos encarnados, desta forma, se nada fizemos para melhorar a
nossa condição moral e ética, não aproveitamos bem as incontáveis oportunidades
de evolução oferecidas pela magnanimidade do Criador, semeamos a discórdia,
aqui e ali, buscamos os prazeres e sensações, no lugar das sadias emoções, ao
nos transferirmos para a vida verdadeira, colheremos o que semeamos, não
encontrando nada além do que por aqui experimentamos.
Muitos, em função das condutas, nem
poderão encontrar os afeiçoados já desencarnados, desejo comum de muitos
familiares encarnados. Para esses, transgressores confessos e contumazes dos
princípios divinos, caberia outro ditado: quando se morre passa-se
desta para pior!
1.
Quem quiser gostar de mim tem que ser assim
Este preceito é um dos que mais
descortinam a personalidade egoísta e a mente distorcida da pessoa. Demonstra o
desprezo pela opinião do próximo, quando afirma que o indivíduo está satisfeito
com a sua intolerância, feliz por ser talvez rabugento, tranquilo com as suas
ideias retrógradas, em absoluta paz com os seus preconceitos...
O indivíduo se basta e os outros, se
desejarem, que façam ou vivam como ele, pois é o dono absoluto da verdade. Não
precisa de ninguém.
Orgulho e vaidade, aversão às ideias e
propostas alheias, parece ser a tônica dos que usam este ditado para justificar
que estão bem, consigo mesmos, e nada precisam dos outros e do mundo.
1.
O futuro a Deus pertence
Este é outro ditado usado com
frequência, transferindo, incondicionalmente, a Deus, toda a responsabilidade
sobre o que nos ocorre, de bom ou de ruim.
Para os adeptos deste esdrúxulo
princípio, tudo está escrito e nada mais resta a fazer a não ser assistir o
desfecho final de nossas vidas, da forma como Deus, com antecedência, assim
planejou.
Se assim for, poderíamos perguntar por
qual razão existimos, se tudo já está definido? Qual seria a expectativa de
Deus em relação à nossa criação!?
Todos os esforços realizados para
construir uma melhor condição de vida seriam infrutíferos, pois os resultados
já estariam deliberados e mais, todas as vezes em que nos empenhássemos em uma
empreitada para melhorar aspectos de nossa atual existência e colhêssemos um
insucesso na tentativa, então só poderíamos concluir que Deus arquitetou este
revés.
1.
A voz do povo é a voz de Deus
Talvez o mais eloquente exemplo de que a
voz do povo nem sempre é a voz de Deus, ocorreu há dois milênios quando por
decisão do povo, Barrabás foi libertado da prisão e da pena de crucificação e,
em seu lugar, foi colocado Jesus.
A voz da população, eventualmente, pode
estar correta. Estando alinhada com as diretrizes do fazer ao próximo o
que gostaríamos que nos fosse feito, já é um bom sinal, contudo, como
muitas vezes a voz do povo desconsidera totalmente este ensino, se equivoca com
frequência.
1.
Estou melhor do que mereço
Quando alguém pergunta se o amigo está
bem, é comum o uso desta intrigante máxima como resposta, afirmando o
interlocutor, de pronto, estar melhor do que merece. Ora, se a
pessoa não merece as benções ou dádivas que supõe estar recebendo, por qual
razão as receberia? Seria Deus injusto com os outros que não estão tão bem
quanto poderiam supor merecer? Teria a Divindade privilegiado alguns? Como
posso afirmar que estou recebendo mais do que realmente valho!?
São questões como essas que, de forma
clara, apontam para a impropriedade deste pensamento, pois ele não se coaduna
com a justiça divina.
Se a pessoa entende que está tudo bem na
sua particular vida, que está experimentando momentos de alegria, satisfação,
realização, tranquilidade, entre outros, todas estas dádivas surgem
como resultado direto das condutas e escolhas realizadas pelo próprio
indivíduo, nesta, bem como nas existências anteriores e não há nada a
estranhar, tampouco a alardear.
O estado de felicidade e harmonia que
acreditamos desfrutar, representa a lei de causa e efeito atuando,
de acordo com o objetivo segundo o qual foi criada por Deus.
1.
Não há nada demais
Esta proposta apresenta duplo sentido.
Um deles, o inadequado, está muito bem exemplificado em texto de Thereza de
Brito na extraordinária obra Vereda Familiar, quando a autora
espiritual comenta sobre os festejos de Momo. Após apresentar as razões dos
perigos e inconvenientes destas festas na forma como se apresentam nos dias de
hoje, ao final, faz o seguinte comentário:
Se alguém, em lhes percebendo a atitude
perguntar: “o que é que há demais no carnaval?” Não se preocupem, nem se
agastem, em responder. Saibam, contudo, que “demais” nada há no carnaval, só há
“de menos”, e sigam adiante [...]1
É evidente existir situações em que o
uso desta expressão apresenta o lado positivo, se justificando o seu uso.
Contudo, o sentido destacado anteriormente é o que possui primazia no
cotidiano, ou seja: não há nada demais oferecer bebidas
alcoólicas aos filhos, deixar que eles experimentem o que a vida oferece sem
preocupação nenhuma, pois eles precisam conhecer tudo, para no futuro, escolher
o que é bom ou não..., e assim em diante.
O não há nada demais, em
muitas situações, esconde a leniência dos pais em bem educar seus filhos, pois
educar dá trabalho!
1.
Ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão
Certamente, uma das mais lamentáveis
máximas. Defende a ideia de que caso alguém cometa um desvio – moral ou ético
-, seja da lei humana, ou da lei divina, contra outro que já fez o mesmo, o
autor estaria plenamente justificado e perdoado, seria uma espécie de
compensação.
Representa, seguramente, uma tentativa
infeliz de se justificar perante a sociedade ou mesmo perante a Deus.
Uma infração, continua sendo uma
infração, independentemente se todos fazem o mesmo ou não. Não há atenuantes em
função do fato de que outros fazem ou já fizeram o que agora está sendo feito.
É curioso ao sugerir um perdão de cem
anos, pois acredita-se que o infrator não viverá tanto para perder o perdão
concedido por conta do tempo passado. Dentro dessa ótica, é oportuno saber que mesmo
que a sociedade civil não puna o transgressor ainda em vida, ele jamais
escapará das leis de Deus. Mesmo após a morte deverá ressarcir o que foi
lesado, de uma forma ou de outra.
A propósito, só existe um caminho para
cobrir a multidão dos pecados: a prática irrestrita e continuada da lei do
amor.
1.
Deus escreve certo por linhas tortas
É razoável que se defenda o entendimento
de que Deus escreve por linhas tortas!?
As linhas pelas quais o Criador
estabelece seus desígnios sempre foram perfeitas. Ele, invariavelmente, escreve
certo, contudo, na nossa óptica materialista e imediatista, enxergamos as
dificuldades, problemas, contrariedades, aparentes reveses, do nosso cotidiano,
como acontecimentos prejudiciais e quem sabe injustos à nossa jornada evolutiva.
Entretanto, em qualquer situação, as
linhas da vida são escritas de acordo com a lei de causa e efeito.
Não há dúvidas de que, de algum modo, tudo dará certo ao longo do caminho,
contudo, este desfecho que julgamos feliz pode estar reservado para outra existência,
mudando o cenário sugerido pela máxima que assevera que com paciência e
trabalho pode-se sempre esperar um final feliz, apesar dos contratempos, ainda
nesta jornada carnal, o que não é verdade.
1.
Errar é humano
Observa-se, também plenamente difundida
na sociedade, a frequente utilização da sentença: Errar é humano,
diante dos variados insucessos e desvios enfrentados e praticados no cotidiano.
Embora haja erros comuns e até
esperados, por exemplo, na aprendizagem e no desempenho de um ofício, esse conceito
é frequentemente empregado quando se cometem deslizes morais. Nesse sentido, o
seu uso busca, em muitos casos, justificar a fraude, o delito, o crime, o
conluio, a corrupção, não importando o tipo de conduta indecorosa, em suma, os
diversos atos maldosos, seja quando se consideram os estatutos e leis sociais
ou mesmo os ordenamentos divinos.
É considerada uma boa válvula de escape
para não se incomodar demais com as próprias falhas, evitando, dentro do
possível, a formação do temido sentimento de culpa, estado consciencial
martirizante e provocador de graves mazelas ao infrator.
Contudo, se errar é humano e, quem nos
fez passar pela fase humana de evolução foi Deus, então eu não tenho nenhuma
responsabilidade pelas minhas faltas, afinal, o erro é esperado e inevitável.
Tudo indica que não pode ser assim.
Nós ainda somos humanos porque optamos
pelo erro – por meio do uso de nosso livre-arbítrio -, desde a nossa etapa
caracterizada pela simplicidade e ignorância, e, desde então, continuamos a
errar, senão já seríamos anjos ou em vias de nos tornamos Espíritos puros,
sendo assim, o conceito é ligeiramente diferente.
E foi o próprio Mestre lionês quem assim
registrou:
Por que é que alguns Espíritos
seguiram o caminho do bem e outros o do mal?
“Não têm eles o livre-arbítrio? Deus não
criou Espíritos maus; criou-os simples e ignorantes, isto é, com igual aptidão
para o bem e para o mal. Os que são maus, assim se tornaram por sua vontade.”2
Uma vez que há Espíritos que,
desde o princípio, seguem o caminho do bem absoluto e outros o do mal absoluto,
haverá, talvez, gradações entre esses dois extremos?
“Sim, certamente, e constituem a grande
maioria.”3
1.
Quem com ferro fere, com ferro será ferido
Apesar de Jesus ter dito a Pedro: embainha
tua espada, pois quem fere com a espada será ferido, ensino original e
equivalente à máxima em análise, Ele mesmo, por meio de Seus muitos ensinos e
exemplos de vida, informou que poderíamos escapar da aplicação da pena,
equivalente à infração cometida – lei de talião -, através do
uso sistemático da lei de amor, única com o poder de anular os efeitos da
multidão de pecados.
Sendo assim, não é verdade que,
invariavelmente, teremos que ser feridos com ferro, quando com ferro houvermos
ferido o próximo.
A propósito, a lei de talião,
permanece, mesmo nos dias de hoje, contudo, quem aplica esta medida é o próprio
Legislador Divino:
Disse Jesus: Quem matou com a
espada morrerá pela espada. Estas palavras não consagram a pena de talião e,
assim, a morte imposta ao assassino não constitui a aplicação dessa pena?
“Cuidado! Estais equivocados quanto a
estas palavras, como sobre muitas outras. A pena de talião é a Justiça de Deus;
é Ele quem a aplica. [...]”4
Fonte:
https://www.jornaloimortal.com.br
Referências:
1 TEIXEIRA, Raul. Vereda
Familiar. Pelo Espírito Thereza de Brito. ed. 2. Rio de Janeiro/Niterói:
FRÁTER, 1991. As folias de Momo. cap.14.
2 KARDEC, Allan. O Livro dos
Espíritos. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 4. ed.12. imp. Brasília, DF: FEB,
2022. q. 121.
3 KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos.
Trad. Evandro Noleto de Bezerra. 4. ed.12. imp. Brasília, DF: FEB, 2022. q.
124.
4 KARDEC, Allan. O Livro dos
Espíritos. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 4. ed.12. imp. Brasília, DF: FEB,
2022. q. 764.
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