Jack Kevorkian ficou mundialmente conhecido
por defender o direito de pacientes terminais optarem pelo suicídio assistido.
Ele ficou conhecido como o “Dr. Morte” e criou a “máquina do suicídio”, tendo
ajudado mais de cento e trinta pacientes terminais a optarem pela morte.
O “Dr. Morte” morreu no dia 03 de junho de
2011, certamente com muitos débitos espirituais, merecendo a nossa oração e
compaixão. Um dia, pela lei do progresso, esse espírito trabalhará pela
valorização da vida, como fez no início de sua carreira médica, ao defender que
os órgãos de pacientes mortos fossem utilizados para transplantes.
Essa notícia convida-nos a fazer algumas
reflexões em torno da eutanásia, que sempre está na pauta do Congresso
Nacional, porque há defensores de sua legalização, visando dar-lhe uma
amplitude e uma legalidade a ponto de conferir ao indivíduo o direito de optar
pela própria morte quando vivencie uma doença incurável, com o escopo de
abrandar o sofrimento. Caso os legisladores do Brasil aprovem a legalização da
eutanásia, certamente será um retrocesso legislativo, abrindo campo para riscos
maiores, porque, com esse precedente, muitos começarão a defender a ideia do
suicídio assistido, conforme já ocorre na Suíça.
Inúmeros estrangeiros com enfermidades, tais
como as doenças neurológicas e as cardiovasculares, buscam a Suíça para terem
direito ao suicídio assistido por profissionais médicos. Esse fenômeno ficou
conhecido como “turismo do suicídio” e já gerou algumas reportagens na mídia.
Na eutanásia (ativa) é o médico que ministra
os fármacos letais, ao passo que no suicídio assistido é o próprio paciente
que, ao apertar um botão, permite que os fármacos invadam seu organismo,
levando-o a morte.
A visão da religião espírita em torno dessas
questões é valiosa, porque nos ensina que somos corpo, perispírito e espírito,
e que a vida tem um sentido ético-moral, proporcionando a evolução do espírito,
etapa a etapa, através da lei divina da reencarnação, de forma que as situações
adversas da vida devem ser enfrentadas com dignidade, resignação e fé, o que
proporcionará imenso aprendizado ao espírito.
A eutanásia significa antecipar a morte de um
paciente terminal e/ou com uma doença incurável, com o objetivo de poupar-lhe
de um sofrimento desnecessário e muitas vezes cruel e doloroso.
Pode ser ativa, quando o médico, com o
consentimento do paciente, ministra doses letais de medicamentos,
proporcionando a morte, e passiva, quando são cessadas as medicações que ajudam
a manter o paciente vivo.
À luz do Espiritismo, esses momentos finais
da vida física, ainda que com a presença do sofrimento, podem gerar no espírito
arrependimentos e reflexões em torno de questões importantes da vida, fazendo
com que ele retorne ao mundo espiritual num outro clima mental, evitando,
muitas vezes, sofrimentos e remorsos na pátria espiritual. Quantas vezes o
doente incurável, que necessita da ajuda alheia, irá refletir sobre a lição da
humildade, porque agora está dependente do socorro externo.
Nessa mesma condição, quantos não
amadurecerão a paciência e a resignação, que são virtudes significativas para o
processo evolutivo. Quantos, num leito de hospital, reverão conceitos,
desejarão reconciliar com antigos desafetos, poderão dialogar com alguns
familiares para um desabafo, uma súplica de perdão etc.
Anote-se que o corpo está debilitado, muitas
vezes inconsciente, mas o espírito, que está ligado ao corpo molécula a
molécula, está lúcido e registrando todas as ocorrências do meio, que poderá
induzi-lo a novas posturas mentais.
A ortotanásia é o termo utilizado para
definir a morte natural, porque nessa situação o médico deixa que a morte se
consume naturalmente, deixando a evolução e o percurso da doença, podendo agir
apenas para aliviar a dor.
Frise-se que ortotanásia também deve ser
evitada quando haja para o paciente uma expectativa indefinida de vida, devendo
o médico adotar os procedimentos médicos normais para a manutenção da vida
biológica, como, por exemplo, manter o paciente ligado às maquinas que
sustentam a vida, porque, repita-se, estar no corpo, ainda que debilitado e
enfermo gravemente, é uma benção para o espírito em evolução, que pode estar em
processo de expiação (reparação de faltas do passado) e/ou de amadurecimento de
novas posturas, valores e ideias perante a vida.
De outro lado, existe a distanásia, que é o
desejo de manutenção da vida e a recuperação do paciente a todo custo, muitas
vezes extrapolando os cuidados médicos normais.
Em muitas situações, haverá uma linha tênue
que separa a ortotanásia e a distanásia, havendo casos em que os familiares,
desesperados com a possibilidade da morte do ente querido, adotam posturas
mentais de rebeldia e desejo pertinaz de que o familiar não morra, que acabam
por reter o espírito no corpo por mais tempo do que o devido, prolongando seu
sofrimento.
Por isso, muitas vezes ocorrem a chamada
“melhora da morte”, quando o paciente tem uma melhora no seu quadro clínico e
os familiares podem voltar para a casa para um descanso físico e mental,
ocorrendo, logo depois, a desencarnação do ente querido, que teve uma trégua
dos apelos mentais dos familiares. Outras vezes, o prolongamento da vida
física, sem que fosse necessário, ocorre por atitudes mentais do próprio
paciente, por medo da morte ou medo de perder o convívio com os familiares.
Nessa situação, vale a pena a oração em favor do paciente e um diálogo
fraternal para que ele possa confiar em Deus e na imortalidade da alma.
A título de exemplo, cito a história de Anna
Belleville, que consta do capítulo III, da 2ª parte da obra “O Céu e o
Inferno”, de Allan Kardec, quando o espírito narra que estava enfermo, mas não
queria abandonar o corpo porque desejava viver para os filhos, o que gerou o
prolongamento da vida física e, por consequência, do seu sofrimento.
Diante da visão espírita, que não analisa
apenas os aspectos físicos, mas enfoca também o ser imortal, o espírito que
sobrevive à morte biológica, parece-nos plausível que havendo uma expectativa
indefinida de vida, isto é, os médicos não sabem quanto tempo de vida terá o
paciente incurável, podendo ser de algumas semanas a vários meses e anos,
devemos optar pela manutenção da vida física, com os respectivos cuidados
médicos, jamais desligando os aparelhos que o mantém vivo, envolvendo o enfermo
com carinho e oração, para que essa etapa da vida possa ser significativa para
seu crescimento espiritual.
Quando os médicos delimitarem que o paciente
terá no máximo alguns dias ou poucas semanas de vida, é perfeitamente aceitável
e natural que os familiares o tragam para a casa, onde ele poderá finalizar a
etapa reencarnatória sob o aconchego e o carinho dos familiares, com as dores
físicas minimizadas pelos medicamentos próprios
Encerro este artigo com as lúcidas
ponderações do confrade José Raul Teixeira, que está exarada no livro “Quando a
Vida Responde” (capítulo 3º, item 3):
“O mais importante na esfera da ortotanásia será sempre o uso do bom-senso, pois uma coisa é deixar o indivíduo morrer naturalmente, quando se veja que sua vitalidade vai baixando de nível como uma chama que se apaga. Outra situação, porém, será ver alguém sofrendo e cruelmente não lhe aplicar qualquer sedativo ou medicamento, deixando que morra em meio ao desespero ou à dor intensa. Nem a eutanásia nem a ortotanásia, quando fujam ao bom-senso e se aproximem da crueldade. Que os conhecimentos médicos vigentes possam ajudar os que se acham à beira da desencarnação, facilitando-lhes um tranquilo retorno ao invisível sem comprometimento negativo de médicos, enfermeiros ou familiares”.
(*) Alessandro Viana Vieira de Paula é Juiz
de Direito - SP
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