Eutanásia: Apontamentos Espíritas Oportunos

Por Alessandro Viana Vieira de Paula (*)

Jack Kevorkian ficou mundialmente conhecido por defender o direito de pacientes terminais optarem pelo suicídio assistido. Ele ficou conhecido como o “Dr. Morte” e criou a “máquina do suicídio”, tendo ajudado mais de cento e trinta pacientes terminais a optarem pela morte.

O “Dr. Morte” morreu no dia 03 de junho de 2011, certamente com muitos débitos espirituais, merecendo a nossa oração e compaixão. Um dia, pela lei do progresso, esse espírito trabalhará pela valorização da vida, como fez no início de sua carreira médica, ao defender que os órgãos de pacientes mortos fossem utilizados para transplantes.

Essa notícia convida-nos a fazer algumas reflexões em torno da eutanásia, que sempre está na pauta do Congresso Nacional, porque há defensores de sua legalização, visando dar-lhe uma amplitude e uma legalidade a ponto de conferir ao indivíduo o direito de optar pela própria morte quando vivencie uma doença incurável, com o escopo de abrandar o sofrimento. Caso os legisladores do Brasil aprovem a legalização da eutanásia, certamente será um retrocesso legislativo, abrindo campo para riscos maiores, porque, com esse precedente, muitos começarão a defender a ideia do suicídio assistido, conforme já ocorre na Suíça.

Inúmeros estrangeiros com enfermidades, tais como as doenças neurológicas e as cardiovasculares, buscam a Suíça para terem direito ao suicídio assistido por profissionais médicos. Esse fenômeno ficou conhecido como “turismo do suicídio” e já gerou algumas reportagens na mídia.

Na eutanásia (ativa) é o médico que ministra os fármacos letais, ao passo que no suicídio assistido é o próprio paciente que, ao apertar um botão, permite que os fármacos invadam seu organismo, levando-o a morte.

A visão da religião espírita em torno dessas questões é valiosa, porque nos ensina que somos corpo, perispírito e espírito, e que a vida tem um sentido ético-moral, proporcionando a evolução do espírito, etapa a etapa, através da lei divina da reencarnação, de forma que as situações adversas da vida devem ser enfrentadas com dignidade, resignação e fé, o que proporcionará imenso aprendizado ao espírito.

A eutanásia significa antecipar a morte de um paciente terminal e/ou com uma doença incurável, com o objetivo de poupar-lhe de um sofrimento desnecessário e muitas vezes cruel e doloroso.

Pode ser ativa, quando o médico, com o consentimento do paciente, ministra doses letais de medicamentos, proporcionando a morte, e passiva, quando são cessadas as medicações que ajudam a manter o paciente vivo.

À luz do Espiritismo, esses momentos finais da vida física, ainda que com a presença do sofrimento, podem gerar no espírito arrependimentos e reflexões em torno de questões importantes da vida, fazendo com que ele retorne ao mundo espiritual num outro clima mental, evitando, muitas vezes, sofrimentos e remorsos na pátria espiritual. Quantas vezes o doente incurável, que necessita da ajuda alheia, irá refletir sobre a lição da humildade, porque agora está dependente do socorro externo.

Nessa mesma condição, quantos não amadurecerão a paciência e a resignação, que são virtudes significativas para o processo evolutivo. Quantos, num leito de hospital, reverão conceitos, desejarão reconciliar com antigos desafetos, poderão dialogar com alguns familiares para um desabafo, uma súplica de perdão etc.

Anote-se que o corpo está debilitado, muitas vezes inconsciente, mas o espírito, que está ligado ao corpo molécula a molécula, está lúcido e registrando todas as ocorrências do meio, que poderá induzi-lo a novas posturas mentais.

A ortotanásia é o termo utilizado para definir a morte natural, porque nessa situação o médico deixa que a morte se consume naturalmente, deixando a evolução e o percurso da doença, podendo agir apenas para aliviar a dor.

 

 Frise-se que ortotanásia também deve ser evitada quando haja para o paciente uma expectativa indefinida de vida, devendo o médico adotar os procedimentos médicos normais para a manutenção da vida biológica, como, por exemplo, manter o paciente ligado às maquinas que sustentam a vida, porque, repita-se, estar no corpo, ainda que debilitado e enfermo gravemente, é uma benção para o espírito em evolução, que pode estar em processo de expiação (reparação de faltas do passado) e/ou de amadurecimento de novas posturas, valores e ideias perante a vida.

De outro lado, existe a distanásia, que é o desejo de manutenção da vida e a recuperação do paciente a todo custo, muitas vezes extrapolando os cuidados médicos normais.

Em muitas situações, haverá uma linha tênue que separa a ortotanásia e a distanásia, havendo casos em que os familiares, desesperados com a possibilidade da morte do ente querido, adotam posturas mentais de rebeldia e desejo pertinaz de que o familiar não morra, que acabam por reter o espírito no corpo por mais tempo do que o devido, prolongando seu sofrimento.

Por isso, muitas vezes ocorrem a chamada “melhora da morte”, quando o paciente tem uma melhora no seu quadro clínico e os familiares podem voltar para a casa para um descanso físico e mental, ocorrendo, logo depois, a desencarnação do ente querido, que teve uma trégua dos apelos mentais dos familiares. Outras vezes, o prolongamento da vida física, sem que fosse necessário, ocorre por atitudes mentais do próprio paciente, por medo da morte ou medo de perder o convívio com os familiares. Nessa situação, vale a pena a oração em favor do paciente e um diálogo fraternal para que ele possa confiar em Deus e na imortalidade da alma.

A título de exemplo, cito a história de Anna Belleville, que consta do capítulo III, da 2ª parte da obra “O Céu e o Inferno”, de Allan Kardec, quando o espírito narra que estava enfermo, mas não queria abandonar o corpo porque desejava viver para os filhos, o que gerou o prolongamento da vida física e, por consequência, do seu sofrimento.

Diante da visão espírita, que não analisa apenas os aspectos físicos, mas enfoca também o ser imortal, o espírito que sobrevive à morte biológica, parece-nos plausível que havendo uma expectativa indefinida de vida, isto é, os médicos não sabem quanto tempo de vida terá o paciente incurável, podendo ser de algumas semanas a vários meses e anos, devemos optar pela manutenção da vida física, com os respectivos cuidados médicos, jamais desligando os aparelhos que o mantém vivo, envolvendo o enfermo com carinho e oração, para que essa etapa da vida possa ser significativa para seu crescimento espiritual.

Quando os médicos delimitarem que o paciente terá no máximo alguns dias ou poucas semanas de vida, é perfeitamente aceitável e natural que os familiares o tragam para a casa, onde ele poderá finalizar a etapa reencarnatória sob o aconchego e o carinho dos familiares, com as dores físicas minimizadas pelos medicamentos próprios

Encerro este artigo com as lúcidas ponderações do confrade José Raul Teixeira, que está exarada no livro “Quando a Vida Responde” (capítulo 3º, item 3):

“O mais importante na esfera da ortotanásia será sempre o uso do bom-senso, pois uma coisa é deixar o indivíduo morrer naturalmente, quando se veja que sua vitalidade vai baixando de nível como uma chama que se apaga. Outra situação, porém, será ver alguém sofrendo e cruelmente não lhe aplicar qualquer sedativo ou medicamento, deixando que morra em meio ao desespero ou à dor intensa. Nem a eutanásia nem a ortotanásia, quando fujam ao bom-senso e se aproximem da crueldade. Que os conhecimentos médicos vigentes possam ajudar os que se acham à beira da desencarnação, facilitando-lhes um tranquilo retorno ao invisível sem comprometimento negativo de médicos, enfermeiros ou familiares”.

(*) Alessandro Viana Vieira de Paula é Juiz de Direito - SP

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