Por João Anatalino
Espiritismo:
ciência ou religião?
No século XIX, o espiritismo apareceu como
uma novidade para os adeptos da filosofia oculta porque prometia provar, com
métodos científicos, a existência do mundo espiritual. Á frente dessas
pesquisas estava o professor francês Hippolyte Léon Denizard Rivail
(1804-1869), mais conhecido pelo pseudônimo que adotou, ou seja, Alan Kardec.
Em sua obra “O que é o Espiritismo?”, Kardec
afirma que suas experiências com os fenômenos espirituais têm paralelos com a
teoria eletromagnética da física. Essa teoria, como se sabe, foi desenvolvida
para explicar a origem e a aplicação dos fenômenos elétricos, obtendo como
resultado o extraordinário desenvolvimento econômico e social proporcionado
pelo uso da eletricidade.
Evidente que essa afirmação nunca foi aceita
pela ciência oficial, dada a absoluta falta de provas materiais. Mas garantiu
ao espiritismo uma grande aceitação entre os intelectuais que procuravam uma
doutrina mais coerente com suas próprias crenças positivistas, mas não
descartavam a possibilidade de que, oculta pelo véu da realidade não manifesta,
pudesse existir algo mais do que a fria mecânica newtoniana. Isso era o que
suas sensibilidades exigiam e o espiritismo lhes prometia conceder.
Foi assim que o espiritismo se tornou uma
religião, que na sua fundamentação teológica, procurava oferecer aos seus
seguidores um caminho de aperfeiçoamento espiritual diferente dos que eram
oferecidos pelas demais religiões, que se baseavam unicamente nas intuições
pessoais de seus fundadores e seguidores. Nesse sentido, seus praticantes
diziam que sua religião se revestia de princípios científicos, pressupondo-se
que seu codificador, e depois dele, seus seguidores, tenham feito experimentos
que permitiam classificá-la como científica, ainda que os cientistas refutassem
essa possibilidade.
Darwinismo
metafísico
Na verdade, o espiritismo, tal como foi
concebido por seu codificador, sofreu uma sensível influência das teorias
evolucionistas propostas por Charles Darwin. Como a filosofia da época em que
Alan Kardec começou seu estudos estava profundamente influenciada pelo
positivismo – que só aceitava os pressupostos que pudessem ser submetidos aos
métodos científicos de comprovação - os adeptos dessa doutrina tiveram que
buscar em pesquisas e modismos da época (a maioria pseudocientíficos) algumas
fundamentações teóricas que pudessem colocar a sua crença dentro de condições
aceitáveis para o rigor científico que se exigia para qualquer realização
intelectual sobreviver no difuso mundo da cultura de então. Nessa lavra
encontraremos teorias sobre magnetismo, medicina natural e até elementos do
socialismo utópico, no sentido de dar contornos lógicos a temas como
reencarnação, solidariedade, harmonia e caridade, que estão no cerne da
doutrina espírita.
Destarte, esses eram temas muito caros ao
sentimento religioso europeu do século XIX, que integravam conceitos como o
monoteísmo, a justiça divina, a imortalidade da alma, o destino escatológico do
universo etc.
A inserção desses conceitos no espiritismo
buscou torná-lo aceitável para uma mentalidade positivista. Nesse sentido é que
ele nos aparece bastante próximo do evolucionismo proposto por Darwin em sua
obra, porque faz com que as almas individuais, as sociedades, as ciências e as
religiões também se submetam a um processo de aperfeiçoamento ao longo do
tempo, até atingir um estado ideal. Algo semelhante ao processo de evolução que
o filósofo jesuíta Pierre Teilhard de Chardin viria a desenvolver para a
própria espécie humana em seu famoso tratado de antropologia, publicado no
livro “O Fenômeno Humano”.
Assim, na cadeia universal do desenvolvimento
cósmico, o espiritismo constituiria um passo evolutivo na história da
filosofia, da ciência e das religiões, eliminando desse campo cultural o
caráter pseudocientífico que fazia os positivistas torcerem o nariz para todas
as experiências metafísicas.
O espiritismo
e a física quântica
Foi, pois, a própria pretensão de Kardec e
alguns de seus seguidores, de dar ao espiritismo uma roupagem científica, que
proporcionou motivo a alguns estudiosos modernos para ligar os pressupostos do
espiritismo com as descobertas da física quântica e começar a fazer ilações que
hoje preocupam os praticantes mais tradicionais dessa doutrina.
Na opinião destes últimos, o espiritismo é
uma religião e como tal, não pode ser submetida aos métodos da ciência, pois
esta está circunscrita ao mundo material, profano e passível de conhecimento
pela inteligência humana, enquanto a religião pertence a um mundo sobrenatural,
sagrado e inconcebível pela nossa mente, e que só pode ser atingido por um estado
superior de consciência chamado de iluminação.
Destarte, dizer que os fenômenos espirituais
podem ser explicados pela física quântica é desvalorizar o espiritismo em seus
valores sacros, trazendo para o mundo da matéria um conteúdo que é
essencialmente transcendental.
É que a física quântica estuda o
comportamento da matéria em escala microscópica (o átomo e seus componentes).
Grosso modo, podemos dizer que ela é o estudo da origem da própria matéria, ou
seja, da energia que está na sua gênese. A física quântica tem origem nos
experimentos feitos a pouco mais de um século pelo físico Max Planck e observou
na descoberta de que a troca de energia entre sistemas atômicos só podem
ocorrer em múltiplos de um determinado valor, que é chamado “quantum”, ou seja,
uma indeterminada quantidade de energia. Essa energia se manifesta ora em forma
de partículas, ora em forma de ondas, apresentando estranhas propriedades, como
a ubiquidade (estar em dois locais ao mesmo tempo), a vacuidade
(não-localização) e outras bizarrices que fazem os mais imaginativos estudiosos
dessa matéria pressupor que estão na presença daquilo que os sensitivos chamam
de mundo espiritual.
Essas interpretações ganharam corpo com as
publicações de Jack Sarfatti e Fritjof Capra, dois físicos teóricos que
criaram, na Califórnia, o Fundamental Fysiks Group, um círculo informal de
debates entre estudiosos dessa matéria para desenvolver e popularizar
interpretações místicas da física quântica. Esses debates geraram várias obras
do gênero, ligando as descobertas desse ramo da física à temas da Cabala, da
cosmogonia védica, da filosofia gnóstica e principalmente do espiritismo.
O conhecimento enciclopédico oficial nos
ensina que a física é uma disciplina que se destina ao estudo das coisas
materiais, das partículas subatômicas e das leis que regem o universo. O mundo
espiritual nunca foi objeto de seus estudos, já que estes sempre ficaram
confinados no âmbito da religião e da filosofia. A codificação do espiritismo
no século XIX, feita por Alan Kardec, não mudou essa situação, embora, como foi
observado no início deste texto, ele e alguns de seus seguidores tenham tentado
dar fumos de positivismo à doutrina espírita.
A física moderna ainda hoje ignora e muitas
vezes é até adversa à idéia de que possa existir uma parte espiritual nesse
ramo da ciência. Por isso, uma possível interação entre o mundo da matéria e o
mundo espiritual continua sendo descartada pela comunidade científica como algo
digno de ser investigado. Além disso, as constantes fraudes apuradas nessa área
têm contribuído ainda mais para que uma disposição contrária ao estudo da
fenomenologia espiritual persista entre os estudiosos dessa matéria.
Neste contexto não é difícil entender porque
pesquisas na área de física quântica (ou em qualquer outra área da física) e
espiritismo não são realizadas com seriedade. Além das dificuldades
experimentais que se apresentam numa pesquisa dessa ordem, o cientista que se
aventurar nessa nova área do conhecimento certamente terá grandes dificuldades para
obter recursos financeiros e o suporte logístico necessário para a realização
do seu trabalho. Daí, podemos dizer que não existe, hoje, qualquer resultado
científico que estabeleça alguma relação provável entre mecânica quântica e
espiritismo, ainda que alguns autores tenham procurado estabelecer essa relação
como se fosse uma verdade comprovada. Artigos dessa natureza só podem ser
considerados no seu valor especulativo.
Entretanto, isso não quer dizer que seja
improvável uma relação entre o plano físico e o plano espiritual. Se o universo
(como o próprio vocábulo designa) é uno, então estamos falando de planos
diferentes de existência, mas que pertencem à uma mesma realidade. Alguns
fenômenos mediúnicos de natureza física, como materialização e telecinese, por
exemplo, são realizações provadas no plano da realidade objetiva e um dia serão
explicados pelas teorias da física vigente. Dentro dos contornos da lei de
gravitação teremos também a explicação do fenômeno das mesas girantes e a
órbita elíptica dos planetas. Da mesma forma, não é ousadia supor que as mesmas
leis físicas que governam as interações dos elementos básicos da matéria
possam, no futuro, explicar os fenômenos de materialização já reproduzidos em
laboratório. Assim, se a mecânica quântica ou a teoria da relatividade ou
qualquer outra teoria da física moderna desenvolverão, no futuro, ferramentas e
modelos capazes de descrever esses fenômenos, é algo que podemos esperar que
aconteça, sendo a inteligência humana o que é.
Destarte, os praticantes do espiritismo
tradicional, que veem a sua prática como uma religião e sentem que ela está
sendo desvalorizada pelo conteúdo materialístico que lhe está sendo dado pelos
imaginativos adeptos da teoria quântica, não devem se preocupar demasiadamente.
Como diz um eminente cabalista, o universo é criado pela manifestação da
Potência do seu Criador. Essa potência está presente principalmente na vontade
humana. Por isso, “quando o justo deseja, ele pode criar um mundo”. Tudo é
passível de conhecimento pela inteligência do ser humano. Inclusive o mundo
espiritual, porque se trata de um mundo manifestado por Deus juntamente com o
plano material, ou seja, ele está sujeito às mesmas leis que o Criador colocou
no processo de criação universal. Só há um território em que a mente humana
jamais poderá penetrar: é o plano divino, onde somente o próprio Criador pode
conceber.
Hoje, com os conhecimentos do mundo que se
hospeda no interior do átomo, que a física quântica trouxe para a ciência positiva,
fica mais fácil especular com a ideia – já defendida por Jung e outros
pesquisadores- de que o espírito de que falam os kardecistas é uma função da
consciência humana. Até porque esta, sendo formatada a partir de impulsos
elétricos, pode extrapolar os limites do mundo físico e até sobreviver no tempo
e no espaço como partícula ou onda, tal como ocorre com o chamado quanta.
Assim, a possibilidade de que o mundo
espiritual possa ser, um dia, desvelado pela física quântica é algo que está
dentro da realidade concebível. Até porque, se o mundo espiritual existe é
porque ele foi “pensado” pela mente humana. E tudo que a mente humana concebe é
porque tem existência no mundo real, já que ela não trabalha no vazio. Essa,
aliás, é uma das chaves que a Cabala nos proporciona para entender o
funcionamento do processo que dá origem e sustentação ao universo: essa chave é
a reciprocidade, que é definido como o Desejo de Receber e Desejo de
Compartilhar. Esse pressuposto estipula que quem recebe algo deve compartilhar
o que recebeu. Esse é um dos dois princípios da conservação da energia. O
primeiro estipula que ela tenha dois polos para se manifestar: um positivo e um
negativo. O segundo exige que ela seja transmitida, pois energia que não se
transmite esgota-se no próprio recipiente que a recebe.
Por fim, podemos dizer que em nada as ilações
das pessoas que procuram explicar os fenômenos espirituais através das leis da
física quântica desvalorizam o espiritismo como religião, porque ela, na
verdade, é uma doutrina de aperfeiçoamento do ser humano, que prega, acima de
tudo, um extremado amor pelo bem, pelo justo e pela virtude, como caminhos para
uma volta triunfal da nossa alma ao núcleo gerador, de onde um dia ela veio,
como partícula de energia expelida pelo próprio Criador. E nesse sentido, o
espiritismo e a Cabala cantam um belo dueto. Ambos, alimentados pelos
conhecimentos revelados pela física quântica, talvez possam constituir a
religião do futuro.
Prisão de ventre espiritual
Porque tanto na Cabala quanto no espiritismo
o objetivo é mitigar a força do nosso Ego, no seu Desejo de Receber só para si
e compartilhar a Energia que todas as nossas Almas recebem do Criador e têm a
obrigação de veicular pelo universo da Criação.
Quem
não recebe não tem para dar, mas quem recebe e não doa, provoca dor e
sofrimento no mundo. Essa é a causa de toda infelicidade que grande parte da
humanidade sofre. É o resumo do processo que chamamos pobreza e ignorância.
Todos fomos feitos com o Desejo de Receber.
Ele é a noção nuclear da formação do nosso Ego. Todos queremos riqueza, poder,
fama, autoestima, reconhecimento, amor, felicidade, prazer; essas são todas as
coisas boas que a Luz Ilimitada do Criador pode nos conceder.
Só que não podemos ser egoístas a ponto de
querer Receber essa Luz somente para nós. Ela pertence a todas as criaturas do
mundo, e também a todas as demais coisas que a natureza cria, porque todas são
feitas da mesma Energia que compõe o nosso organismo.
Por isso, o Desejo de Receber, sem o
desenvolvimento de um correspondente Desejo de Compartilhar, ou seja, um Desejo
de Receber só para nós mesmos é como o desconforto da pressão que um excesso de
alimento provoca em nosso estômago. Ele gera um grande acúmulo de gases
provocando uma “prisão de ventre espiritual”.
Prisão de ventre provoca um desconforto
físico muito grande. A prisão de ventre espiritual é pior ainda porque faz uma
pessoa se sentir infeliz mesmo ostentado as melhores condições de vida
possíveis. Já vimos isso acontecer com pessoas muito ricas ou famosas. Elas
perdem o sentido da vida justamente pela opulência em que vivem.
Porque o sentido da vida está justamente no
equilíbrio entre o Receber e o Compartilhar. É o princípio da conservação da
energia. Ela precisa circular. Acumulada em um ponto único só gera calor e
pressão. Podemos fazer uma analogia com uma represa que só recebe a água de um
rio e não tem um sangradouro. Um dia ela se romperá por força da água acumulada
nela.
Assim acontece com a Energia que o Criador
nos fornece. Todos nós a recebemos. Ela está armazenada em nossa Alma. Se não a
retransmitirmos ela causará a nossa ruptura espiritual, e esta, como sabemos, é
a pior de todas as doenças.
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