Kardec afirmou que o espiritismo é uma
ciência. Mas vai cair em erro aquele que considerar essa afirmação imaginando o
atual conceito dessa palavra. Isso porque em nosso tempo ela está associada ao
materialismo. Normalmente, mesmo que a maior parte dos estudantes
universitários e mesmo professores sejam espiritualistas, todos precisam adotar
a doutrina do nada para que sua produção seja aceita, ou corre o risco de cair
na marginalidade acadêmica e perder oportunidades.
O espiritualismo é mesmo ridicularizado como
crendice, ingenuidade, absurdo. Invariavelmente, mistura-se a crença em Deus e
na imortalidade da alma com o pensamento dogmático das religiões, isso porque
em nossa sociedade foi esse quase o único espaço que o espiritualismo pôde se
refugiar.
Como evidenciamos na obra “Revolução Espírita
– a teoria esquecida de Allan Kardec”, a ciência era muito diferente na época
de Kardec, e o entendimento disso é fundamental para se compreender o
espiritismo e o impacto de sua doutrina revolucionária.
Afirmou o professor Rivail:
“A Sociedade tem por objeto o estudo de todos
os fenômenos relativos às manifestações espíritas e suas aplicações às ciências
morais, físicas, históricas e psicológicas.” (Livro dos Médiuns, página 443).
Quando se lê esse trecho hoje, quase ninguém
se questiona sobre o que significa ciências morais. Ou então busca um
significado aproximado ou um raciocínio dedutivo. Há também para quem esse
termo passa batido. No entanto, sua compreensão é essencial. O termo “ciência
moral” estava presente na tábua de classificação das ciências daquele tempo.
Para ser compreendido, precisamos consultar livros daquele tempo.
No século 19, as ciências se dividiam entre
as que tinham por objeto o mundo físico (física, química, botânica, fisiologia,
astronomia, geologia, mineralogia), chamadas ciências físicas ou naturais; e as
que tinham por objeto os fenômenos derivados das aptidões humanas, ou ciências
morais (filológicas, sociais e políticas, históricas).
Na universidade, o campo das ciências morais
era liderado por professores espiritualistas, que adotaram essa orientação de
forma racional e não dogmática, como exigia o pensamento positivo da época.
Essas primeiras ciências morais tratam das manifestações exteriores dos fatos
morais, como a linguagem e os fatos históricos e sociais. Resta o estudo da
própria alma, ou fatos do espírito humano, como se definia por uma expressão
daquele período. Esses formam o grupo das ciências filosóficas.
Considerado os valores humanos da razão,
sentimento, vontade, criatividade, as divisões das ciências eram: psicologia,
lógica, moral e estética. Quando os objetos dos estudos eram a causa primeira e
o absoluto, as ciências denominavam-se teodiceia (atributos de Deus e sua
providência) e metafísica (causa ou princípio de tudo o que existe). Quanto ao
método, a psicologia adotava a observação, enquanto as outras ciências
filosóficas adotavam o método racional, e para a metafísica, o reflexivo. O
conteúdo dessas ciências morais forneceram os temas para os diálogos com os
espíritos superiores que resultou na doutrina espírita.
Tudo isso pode ser encontrado em detalhes nos
manuais de filosofia do século 19.
Esse foi o contexto original do surgimento da
doutrina espírita. Essa recuperação conceitual é necessária para se compreender
a postura dos espíritas que leram os livros e revistas do professor Rivail
durante sua publicação e participaram do desenvolvimento da doutrina espírita,
formando a comunidade de pesquisadores.
Os recursos da história e filosofia das
ciências, sem os prejuízos do anacronismo (ler o passado pelos olhos do
presente) são muito importantes para recuperar o sentido original do
espiritismo. Mesmo no entendimento do significado adequado seja de uma só
palavra. Quando Allan Kardec considerou o espiritismo como ciência, mas ele o
qualificou como ciência filosófica (espiritualista na academia de então),
avançando, porém, quanto à metodologia:
“Até ao presente, o estudo do princípio
espiritual, compreendido na Metafísica, foi puramente especulativo e teórico.
No Espiritismo, é inteiramente experimental.” (A Gênese, 92).
(Texto escrito por: Paulo Henrique
Figueiredo)
Para saber mais sobre o assunto, assista:
Aliança entre a ciência e a religião –
Espiritismo sem Mistério
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