Num compêndio histórico que acaba de ser
publicado sobre a vida de Maria de Jesus de Agreda, encontramos um fato
extraordinário de bicorporeidade, que prova que tais fenômenos são
perfeitamente aceitos pela religião. É verdade que, para certas pessoas, as
crenças religiosas não têm mais autoridades do que as crenças espíritas. Mas
quando essas crenças se apoiarem sobre as demonstrações dadas pelo Espiritismo,
sobre as provas patentes que ele fornece, por uma teoria pessoal, de sua
possibilidade, sem derrogar as leis da Natureza, e de sua realidade por
exemplos análogos e autênticos, será forçoso render-se à evidência e
reconhecer, fora das leis conhecidas, a existência de outras que ainda
pertencem aos segredos de Deus.
“Por maior que seja a nossa vontade de
resumir, não podemos deixar de falar aqui do papel absolutamente excepcional de
missionária e de apostolado que Maria de Agreda exerceu no Novo México. O fato
que vamos narrar, cujas provas incontestáveis provariam, por si só, quão
elevados eram os dons sobrenaturais com que Deus havia enriquecido sua humilde
serva, e quão ardente o zelo que ela nutria no coração pela salvação do
próximo. Nas suas relações íntimas e extraordinárias com Deus, ela recebia uma
viva luz, com a ajuda da qual descobria o mundo inteiro, a multidão dos homens
que o habitavam, entre os quais os que ainda não haviam entrado no seio da
Igreja e estavam em evidente perigo de perder-se para a eternidade.
À vista da perda de tantas almas, Maria de
Agreda sentia o coração partido e, em sua dor, multiplicava preces fervorosas.
Deus a fez saber que os povos do Novo México apresentavam menos obstáculos para
a sua conversão que o resto dos homens, e era especialmente sobre eles que a divina
misericórdia queria derramar-se. Esse conhecimento foi um novo aguilhão para o
coração caridoso de Maria de Agreda que, do mais profundo de sua alma, implorou
a clemência divina em favor desse pobre povo. O próprio Deus lhe ordenou que
orasse e trabalhasse para tal fim. E ela o fez de maneira tão eficaz que o
Senhor, cujas razões são impenetráveis, operou nela e por ela uma das maiores
maravilhas que a História pode relatar.
Certo dia, tendo-a o Senhor arrebatado em
êxtase, no momento em que orava insistentemente pela salvação daquelas almas,
Maria de Agreda sentiu-se de repente transportada para uma região longínqua e
desconhecida, sem saber como. Achou-se, então, num ambiente que não era o da
Castela e experimentou os raios de um sol mais ardente que de costume. Homens
de uma raça que jamais tinha encontrado estavam diante dela, e Deus lhe
ordenava que satisfizesse seus caridosos desejos e pregasse a lei e a fé santa
àquele povo. A extática de Agreda obedecia à ordem.
Pregava a esses índios em sua língua
espanhola, e os infiéis entendiam como se ela lhes falasse em sua língua
materna.
Seguiram-se conversões em grande número.
Voltando do êxtase, esta santa mulher se achava no mesmo lugar em que estava no
começo do arrebatamento. Não foi apenas uma vez que Maria de Jesus desempenhou
esse maravilhoso papel de missionária e de apóstolo, junto aos habitantes do
Novo México. O primeiro êxtase do gênero ocorreu em 1622; mas foi seguido de
mais cinco êxtases do mesmo tipo, durante cerca de oito anos. Maria de Agreda
encontrava-se frequentemente nessa mesma região para continuar o seu
apostolado. Parecia-lhe que o número dos convertidos tinha aumentado
prodigiosamente, e que uma nação inteira, com o rei à frente, estava resolvida
a abraçar a fé em Jesus-Cristo.
Ela via ao mesmo tempo, mas a grande
distância, os franciscanos espanhóis que trabalhavam pela conversão desse novo
mundo, mas que ainda ignoravam a existência desse povo que ela havia
convertido. Tal consideração levou-a a aconselhar aos índios que mandassem
alguns dentre eles àqueles missionários, pedir que viessem ministrar-lhes o
batismo. Foi por esse meio que a Divina Providência quis dar uma espetacular
manifestação do bem que Maria de Agreda havia feito no Novo México, por sua
pregação extática.
Um dia os missionários franciscanos, que
Maria de Agreda tinha visto em Espírito, mas a grande distância, viram-se
abordados por um grupo de índios de uma raça que ainda não tinham encontrado em
suas excursões. Estes se anunciaram como enviados de sua nação, pedindo a graça
do batismo com grande insistência. Surpreendidos com a vista desses índios, e
mais espantados ainda pelo pedido que faziam, os missionários trataram de saber
a sua causa. Os enviados responderam: que desde muito tempo uma mulher havia
aparecido em seu país, anunciando a lei de Jesus-Cristo. Acrescentaram que essa
mulher desaparecia por momentos, sem que se pudesse descobrir o seu retiro; que
lhes fizera conhecer o verdadeiro Deus e lhes aconselhara que fossem aos
missionários, a fim de obterem, para toda a nação, a graça do sacramento que
resgata os pecados e transforma os homens em filhos de Deus.
A surpresa dos missionários cresceu ainda
mais quando, interrogando os índios sobre os mistérios da fé, os encontraram
perfeitamente instruídos de tudo o que é necessário para a salvação. Os
missionários tomaram todas as informações possíveis sobre essa mulher; mas tudo
quanto os índios puderam dizer foi que jamais tinham visto uma pessoa
semelhante. No entanto, alguns detalhes descritivos da roupa levaram os
missionários a suspeitar que aquela mulher portasse hábitos de religiosa, e um
deles, que tinha consigo o retrato da venerável madre Luiza de Carrion, ainda
viva, cuja santidade era conhecida em toda a Espanha, o mostrou aos índios,
pensando, talvez, que pudessem reconhecer alguns traços da mulher-apóstolo.
Estes, depois de examinarem o retrato, responderam que a mulher que lhes havia
pregado a lei de Jesus-Cristo na verdade tinha um véu, como esta cuja imagem
lhes era apresentada; mas que, pelos traços do rosto, era completamente
diferente, sendo mais jovem e de grande beleza.
Então, alguns missionários partiram com os
emissários indígenas, para recolher entre eles tão abundante colheita. Após
vários dias de caminhada chegaram ao meio da tribo, sendo acolhidos com as mais
vivas demonstrações de alegria e reconhecimento. Na viagem puderam constatar
que em todos os indivíduos daquela raça a instrução cristã era completa.
O chefe da nação, objeto de especial
solicitude da serva de Deus, quis ser o primeiro a receber a graça do batismo,
com toda a sua família, seguindo o seu exemplo, em poucos dias, a nação
inteira.
Não obstante esses grandes acontecimentos,
ainda ignoravam quem era a serva do Senhor que tinha evangelizado esses povos,
e nutria-se uma santa curiosidade e piedosa impaciência por conhecê-la.
Sobretudo o Padre Alonzo de Benavides, que era o superior dos missionários
franciscanos no Novo México, queria romper o véu misterioso que ainda cobria o
nome dessa mulher-apóstolo, aspirando a voltar momentaneamente à Espanha para
descobrir o retiro dessa religiosa desconhecida, que havia cooperado
prodigiosamente para a salvação de tantas almas. Em 1630 pôde, enfim, embarcar
para a Espanha, e se dirigiu diretamente a Madrid, onde então se encontrava o
Geral de sua ordem. Benavides lhe deu a conhecer o objetivo que se havia
proposto ao empreender sua viagem à Europa. O Geral conhecia Maria de Jesus
Agreda e, conforme o dever de seu cargo, tivera de examinar a fundo o íntimo
dessa religiosa. Conhecia, pois, a sua santidade, tão bem quanto a sublimidade
dos caminhos em que Deus a havia posto. Veio-lhe logo o pensamento de que essa
mulher privilegiada bem podia ser a mulher-apóstolo de que lhe falava o Padre
Benavides, a quem comunicou suas impressões. Deu-lhe credenciais, pelas quais o
constituía seu comissário, com ordem a Maria de Agreda para responder com toda
simplicidade às perguntas que ele julgasse por bem dirigir-lhe. Com tais
despachos, o missionário partiu para Agreda.
A humilde irmã se viu, assim, obrigada a
revelar ao missionário tudo quanto sabia com referência ao objeto de sua missão
junto a ela. Confusa, e ao mesmo tempo dócil, relatou a Benavides tudo quanto
lhe tinha acontecido em seus êxtases, acrescentando com franqueza que ignorava
completamente o modo pelo qual sua ação tinha podido exercer-se a tão grande
distância. Benavides também interrogou a irmã sobre as particularidades dos
lugares que tantas vezes deveria ter visitado e percebeu que ela estava muito
bem informada sobre tudo o que se relacionava com o Novo México e os seus
habitantes. Ela lhe expôs, nos mínimos detalhes, a topografia dessas regiões e
lhes desvendou servindo-se mesmo dos nomes próprios, como o teria feito um
viajante depois de vários anos passados nessas regiões.
Acrescentou até que tinha visto Benavides e
seus religiosos várias vezes, indicando os lugares, os dias, as horas, as
circunstâncias, e fornecendo detalhes especiais sobre cada um dos missionários.
Compreende-se facilmente o alívio de
Benavides por ter, finalmente, descoberto a alma privilegiada de que Deus se
tinha servido para exercer sua ação miraculosa sobre os habitantes do Novo
México.
Antes de deixar a cidade de Agreda, Benavides
quis redigir uma declaração de tudo quanto havia constatado, quer na América,
quer em Agreda, nas suas conversas com a serva de Deus. Nessa peça exprimiu sua
convicção pessoal no tocante à maneira pela qual a ação de Maria de Jesus se
fizera sentir nos índios.
Inclinava-se a crer que tal ação tinha sido
material. Sobre o assunto a humilde religiosa sempre guardou uma grande
reserva. Apesar dos incontáveis indícios que levaram Benavides a concluir pelo
que, antes dele, já havia concluído o confessor da serva de Deus, indícios que
pareciam acusar uma mudança corporal de lugar, Maria de Agreda sempre persistiu
em crer que tudo se passava em Espírito. Na sua humildade, era fortemente
tentada a pensar que o fenômeno não passasse de mera alucinação, embora, de sua
parte, inocente e involuntário. Mas o seu diretor, que conhecia o fundo das
coisas, pensava que a religiosa fosse transportada corporalmente, em seus
êxtases, aos locais de seus trabalhos evangélicos. Apoiava sua opinião na
impressão física que a mudança de clima provocara em Maria de Agreda, na longa
série de seus trabalhos entre os índios, e na opinião de várias pessoas doutas,
que ele consultara em grande segredo. Seja como for, o fato permanece sempre
como um dos mais maravilhosos de que se tem falado nos anais dos santos, e é
muito apropriado para dar uma ideia verdadeira, não só das comunicações divinas
que recebia Maria de Agreda, mas também de sua candura e de sua amável
sinceridade”.
Revista
Espírita – Novembro/1860 – Allan Kardec
Fonte: Laboratório Espírita
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