A Assistência Social Seria Uma Tarefa das Casas Espíritas?


Por Paulo Neto (*)

 “O ponto essencial é que o ensino dos Espíritos é eminentemente cristão […].” (ALLAN KARDEC)

Pode ocorrer que alguns adeptos do Espiritismo entendam que sua única função seja a de promover a assistência espiritual aos que o procuram, não lhe cabendo a tarefa de assistência material. Pior ainda, quando espíritas saem à procura de pessoas para dar o “pão nosso de cada dia” (1) ou alguma coisa que possa lhes proporcionar um relativo conforto.

O interessante é que em nossa releitura de alguma obra da Codificação, sempre nos deparamos com algo que não vimos anteriormente. Não raro são coisas importantes que estranhamos não as ter visto, mas é assim mesmo que ocorre. À medida que vamos adquirindo mais conhecimentos, nossa percepção se amplia e aí o que não vimos passa a ser claro para nós, tão claro que é a causa do espanto.

A mensagem intitulada “Fora da caridade não há salvação”, registrada no cap. XV de O Evangelho Segundo o Espiritismo, tem a assinatura de Paulo, o apóstolo, ocorrida em Paris, no ano de 1860, tem o seguinte teor:

10. Meus filhos, na máxima: Fora da caridade não há salvação, estão contidos os destinos dos homens, na Terra e no Céu; […] Nada exprime melhor o pensamento de Jesus, nada resume tão bem os deveres do homem, do que essa máxima de ordem divina. O Espiritismo não poderia provar melhor a sua origem, do que apresentando-a como regra, pois ela é o reflexo do mais puro Cristianismo. Com semelhante guia, o homem nunca se transviará. Dedicai-vos, assim, meus amigos, a compreender-lhe o sentido profundo e as consequências, a buscar, por vós mesmos, todas as suas aplicações. Submetei todas as vossas ações ao controle da caridade e a consciência vos responderá. Não só ela evitará que pratiqueis o mal, como também vos levará a praticar o bem, já que não basta uma virtude negativa; é necessária uma virtude ativa. Para fazer-se o bem, é preciso sempre a ação da vontade; para não se praticar o mal, basta muitas vezes a inércia e a indiferença.

Meus amigos, agradecei a Deus por haver permitido que pudésseis gozar a luz do Espiritismo.

Não é que somente os que a possuem hajam de ser salvos; é sim que, ajudando-vos a compreender os ensinos do Cristo, ela vos faz melhores cristãos. Fazei, pois, com que os vossos irmãos, ao vos observarem, possam dizer que o verdadeiro espírita e verdadeiro cristão são uma só e a mesma coisa, visto que todos quantos praticam a caridade são discípulos de Jesus, seja qual for o culto a que pertençam. – Paulo, o apóstolo. (Paris, 1860.) (KARDEC, A. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Brasília: FEB, 2013, p. 206-207, itálico do original, negrito nosso)

Em várias oportunidades Allan Kardec (1804-1869) afirma que essa frase de Paulo é a máxima ou bandeira do Espiritismo.

Dito isso, vamos à novidade que encontramos. Na Revista Espírita 1864, mês de janeiro, foi publicado o artigo “Inauguração de vários grupos e sociedades espíritas!”, do qual destacamos os seguintes parágrafos finais:

Em Lyon, um novo grupo acaba de se formar em condições especiais, que merecem ser assinaladas, como encorajamento e bom exemplo. Essa reunião tem um duplo objetivo: a instrução e a beneficência. Sob o aspecto da instrução, propõe-se fazer uma parte menor do que se não o faz, geralmente, nas comunicações medianímicas, e disso fazer, em compensação, uma maior às instruções orais, tendo em vista desenvolver e explicar os princípios do Espiritismo. Sob o aspecto da beneficência, a nova sociedade se propõe vir em ajuda às pessoas necessitadas, por doações em natureza de objetos usuais, tais como roupa branca, vestuário, etc. Além disso do que poderia recolher, as senhoras que dela tomam parte fornecem seu contingente por seus trabalhos pessoais para a confecção, e para as visitas aos pobres enfermos. Um dos membros dessa sociedade nos escreveu a esse respeito: “Graças ao zelo da senhora G..., Lyon vai logo contar com uma reunião espírita a mais. Essa reunião alcançará o objetivo a que se propôs? Será o futuro que isso decidirá. Se ela é pouco numerosa ainda, encerra pelo menos elementos devotados, cheios de fé e de caridade. Podemos fracassar em nosso empreendimento, mas nossas intenções ao menos são boas; nos bastará que a sociedade de Paris, sob a égide da qual nos colocamos, nos aprove e nos ajude com seus conselhos, para que perseveremos com a ajuda de seu apoio moral.”

Este apoio não faltará jamais a toda obra fundada segundo o verdadeiro espírito do Espiritismo, e que tem por objetivo a realização do bem. A Sociedade de Paris é sempre feliz de ver a Doutrina levar bons frutos; não declinará de toda solidariedade senão a respeito dos grupos ou sociedades que, desconhecendo o princípio de caridade e de fraternidade sem o qual não há verdadeiros Espíritas, veriam as outras reuniões com mau olho, lançando-lhes a pedra ou procurando denegri-las sob um pretexto qualquer. A caridade e a fraternidade se reconhecem por suas obras e não por palavras; é uma medida de apreciação que não pode enganar senão àqueles que se cegam quanto ao seu próprio mérito, mas não os terceiros desinteressados; é a pedra de toque pela qual se reconhece a sinceridade dos sentimentos; e quando se fala em caridade, em Espiritismo, sabe-se de que não se trata somente daquela que dá, mas também e sobretudo daquela que esquece e perdoa, que é benevolente e indulgente, que repudia todo sentimento de ciúme e de rancor. Toda reunião espírita que não estivesse fundada sobre o princípio da verdadeira caridade, seria mais nociva do que útil à causa, porque tenderia a dividir em lugar de reunir; levaria, aliás, em si mesma, o seu elemento destruidor. Nossas simpatias pessoais serão, pois, sempre adquiridas de todas aquelas que provarem, por seus atos, o bom espírito que as anima, porque os bons Espíritos não podem inspirar senão o bem. (KARDEC, A. Revista Espírita 1864. Araras – SP: IDE, 1993, p. 25-26, grifo nosso)

Julgamos, s.m.j., que a posição de Allan Kardec é clara e objetiva quanto à tarefa de assistência material que as casas espíritas devem incentivar os seus frequentadores de praticar. Isso merece reflexão da parte daqueles que são contrários a essa iniciativa, tomando o teor dessas duas citações.

(*) Paulo Neto

É palestrante e articulista da Mídia Escrita Espírita e não Espírita, com vários artigos publicados em um grande número de jornais e revistas, muitos dos quais poderão ser encontrados na Internet e principalmente neste site.

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