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Na atualidade, com as discussões sobre as questões de gênero, causa-nos estranheza quando lemos ou escutamos opiniões que parecem vir de algum personagem hebreu de três mil anos atrás. Por exemplo, quando dizem que a mulher foi estuprada por conta da sua saia curta ou que a criança foi molestada pelo adulto por conta de seu “jeitinho sedutor”. Um machismo enraizado nos porões do inconsciente coletivo que deve ser olhado (trazido ao consciente) para, por fim, ser extirpado da cultura.
Nos templos religiosos que ainda não
absorveram as propostas de reforma de Jesus vemos áreas reservadas aos homens e
outras para mulheres, para que estas não os “distraiam”, pois precisam
concentrar-se no culto.
As vestimentas femininas devem ser recatadas,
de preferência com o uso de véus, saias longas e nenhum decote. Cores vibrantes
e estampas muito alegres também não são bem vindas. A aparência da austeridade
deve estar presente.
Encontrar isto em templos cuja filosofia se
apoia principalmente no antigo testamento, parece menos estranho do que quando
ficamos sabendo de Centros Espíritas que buscam regulamentar as vestes das
pessoas, principalmente de mulheres.
Faz um tempo, conheci uma pessoa que, devido
a uma depressão severa esteve à beira da morte por meses e que, graças a
tratamento médico, psicológico e espiritual está conseguindo se reerguer,
embora ainda com momentos de fragilidade psíquica.
Disse-me ela que estar no Centro Espírita
tem-lhe feito enorme bem, pois se sente pertencente a um grupo familiar (esta
pessoa não tem mais os pais, mora sozinha), que lá encontra reconforto, paz.
Porém, há alguns dias esta mulher foi chamada para uma conversa na sala de
atendimento fraterno do lugar. O assunto? Suas vestes. Não deveria usar saia
curta nem bermudas quando fosse assistir palestras, pois estavam percebendo que
os homens a estavam olhando demais e isso estaria atrapalhando o clima psíquico
da Casa.
Quando me contou o fato estava em lágrimas,
dizendo que jamais pensou em seduzir alguém com suas roupas, que ficava
totalmente focada nas palavras que eram ditas pelos palestrantes e professores.
Confessou se sentir ofendida, perguntando a si mesma se voltaria ao lugar, já
que engordara mais de vinte kilos depois do seu processo, perdendo muitas
roupas (inclusive todas as suas calças compridas), não possuindo dinheiro para
novas.
Decidiu, então, enviar uma carta para a
pessoa que a procurou, falando sobre como se sentia. Sua estratégia foi
positiva, pois a diretora do lugar reconheceu o disparate da situação, voltando
atrás no que disse, desculpando-se. Fiquei feliz com o desfecho e penso que
todos aprendemos um pouco com o fato, principalmente os responsáveis pelo
local. Ademais, ela continuará frequentando a Casa, o que achei ótimo, já que
lá ela se sente tão bem!
O que acontece é que, quando soube do caso,
me lembrei de um outro que acontecera comigo, numa Casa Espírita na qual fui
palestrar. Quem me conhece sabe que gosto de acessórios grandes, brincos
pendurados, colares e anéis. Embora sejam bijuterias de pouco valor, podem
parecer ser mais que isso, é verdade. Porém, não vem ao caso e mesmo que
fossem, estaria este assunto dentro das minhas jurisdições pessoais, pois que
não agrido ninguém à minha volta com isso.
Naquela manhã de trabalho, estava eu bem
vestida, com batom, brincos grandes, sapato novo e uma blusa de seda que ganhei
de aniversário do meu marido. Não era traje de festa, mas eu estava vestida com
esmero.
Chegando perto do espaço da palestra, no
grande salão, leio em uma faixa enorme a seguinte frase: “Neste lugar só devem
entrar trajes simples.”
Procurei a presidente da Casa e, com um tom
alegre disse que não poderia fazer a palestra.
Ela se espantou e perguntou o que estava
acontecendo.
“Não estou vestida adequadamente. A Faixa é
direta: aqui só podem entrar pessoas vestidas de forma simples. Eu não estou
assim. E agora?”
Claro que fiz a palestra, afinal as pessoas
que estavam ali mereciam que eu passasse aquilo que estudei, porém aproveitei a
situação para dialogar com a presidente sobre esta questão do destaque ao
descartável.
Em todo o ambiente não se lia nenhuma frase
de Jesus, mas somente aquela faixa enorme, colocando condições aos
participantes, estava pendurada no local.
E se alguma senhora rica, carregando fios de
ouro no pescoço passasse em frente àquela Casa, decidindo entrar, qual não
seria seu espanto ao saber que ali não era bem vinda? Acaso Deus separa ricos
de pobres, dando oportunidades para o conhecimento das verdades apenas aos mais
humildes?
E se fosse uma prostituta, como também o foi
Maria de Magdala, e quisesse entrar ali, mesmo com um shorts curto? Seria
convidada a sair por desorganizar o psiquismo masculino? (Sabemos que o
problema está na mente daquele que vê e não na roupa que o outro veste).
Se Francisco de Assis se preocupasse com as
aparências, jamais teria banhado um leproso…
Conheço missionários incríveis que fazem
trabalhos dentro dos prostíbulos de Campinas, ajudando mães e crianças em suas
vidas miseráveis, levando Evangelho, comida e amor para estas almas. Estariam
eles em risco, já que o lugar os convida à luxúria? Chico Xavier teria deixado
de atender um caído do caminho por conta de sua aparência?
A ciência da Psicologia já explicou que
aquilo que não damos conta em nós, projetamos no outro. Era disso que falava a
parábola que citei acima. Os dedos em riste, apontados contra o outro,
geralmente falam muito sobre seu dono…
Por fim, digo que o despretensioso texto não
visa trazer à luz todas as questões envolvidas nestes casos, mas entra como um
alerta simples, que considero necessário: devemos tomar cuidado com a
hipocrisia nossa de cada dia, e, consequentemente, com um possível retrocesso
nas práticas de religiosidade.
Se um maltrapilho nos visita podemos
ajudá-lo, oferecendo-lhe trajes dignos de um ser humano: limpos e inteiros,
caso ele queira (sempre respeitando o livre-arbítrio de cada um).
Por fim, resumo o texto em um convite
simples: que tal uma reflexão que foi também proposta nos Evangelhos e que
ainda é válida?
– Precisamos tomar cuidado para não coarmos
mosquitos, engolindo camelos…
Jesus sabia das coisas!
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