“Nem todo o que me diz: Senhor,
Senhor!
entrará no reino dos céus, mas aquele que
faz a vontade de meu Pai, que está nos céus.”
(Mateus 7:21)
Morrer e desencarnar
Existe diferença entre morrer e
desencarnar? A morte e a desencarnação ocorrem simultaneamente? O que
pode prender o espírito ao seu corpo físico? É possível, em vida, se
preparar para uma desencarnação mais rápida.
Segundo o dicionário, desencarnar é “deixar a
carne; passar para o mundo espiritual”. Morrer é “deixar de viver;
extinguirem-se as funções vitais; falecer”. [1]
Sendo assim, existe diferença entre ambos,
porque esses são dois processos distintos. A desencarnação ocorre quando o
espírito se desprende do corpo físico e de suas influências, em razão da
cessação da vida orgânica deste, e, conservando o seu períspirito – envoltório
de natureza semi-material, que une o espírito e o corpo físico –, volta à vida
espiritual. A morte é apenas a destruição do corpo físico, envoltório mais
grosseiro.
Para um melhor entendimento de como ocorre o
processo da desencarnação, é interessante conhecer, mais detalhadamente, o
fenômeno inverso: a encarnação. E para isso, Allan Kardec assim a explica:
Quando o Espírito deve se encarnar num corpo
humano em vias de formação, um laço fluídico, que não é outra coisa senão uma
expansão de seu perispírito, liga-o ao germe (o embrião que está começando a se
formar) para o qual se acha atraído, por uma força irresistível, desde o
momento da concepção. À medida que o germe se desenvolve, o laço se aperta; sob
a influência do principio vital material do germe, o perispírito, que possui
certas propriedades da matéria, se une, molécula a molécula, com o corpo que se
forma; de onde se pode dizer que o Espírito, por intermédio de seu perispírito,
toma, de alguma sorte, raiz nesse germe, como uma planta na terra. Quando o
germe está inteiramente desenvolvido, a união é completa, e, então, ele nasce
para a vida exterior.
Por um efeito contrário, essa união do
perispírito e da matéria carnal, que se cumprira sob a influência do princípio
vital do germe, quando esse princípio deixa de agir, em consequência da
desorganização do corpo, a união, que era mantida por uma força atuante, cessa
quando essa força deixa de agir; então, o perispírito se desliga, molécula a
molécula, como estava unido, e o Espírito se entrega à sua liberdade. Assim,
não é a partida do Espírito que causa a morte do corpo, mas a morte do corpo
que causa a partida do Espírito. [2]
Em síntese, o espírito ao nascer em um corpo
de carne – encarnação –, se liga à matéria do corpo físico, através de seu
perispírito, em virtude da influência do princípio vital daquele. O princípio
vital é o princípio da vida material e orgânica, comum a todos os seres vivos.
Na questão 67, de O Livro dos Espíritos, temos que “o princípio vital é a força
motriz dos corpos orgânicos”. [3]
Quando o corpo físico não mais oferecer
possibilidades de permanência, o perispírito de desliga dele e, assim, o
espírito retorna ao mundo espiritual.
E na questão 68 do referido livro, outras
considerações sobre a vida e a morte são apresentadas:
“Qual a causa da morte entre os seres
orgânicos?”
Resposta: “O esgotamento dos órgãos”.
Complemento desta questão:
“Poder-se-ia comparar a morte à cessação do
movimento de determinada máquina desorganizada?”
Resposta: “Sim; se a máquina está mal
montada, a atividade cessa; se o corpo adoece, a vida se extingue.” [3]
A morte e a desencarnação não ocorrem
simultaneamente. Ou seja, quem morre, necessariamente, não desencarna no mesmo
instante.
Allan Kardec, ainda na obra O Livro dos
Espíritos, registra a orientação da Espiritualidade Maior quanto à diferença
entre morrer e desencarnar, sobretudo, ao explicar que esses não são processos
simultâneos.
Questão 149:
“Em que se torna a alma no instante da
morte?”
Resposta:“Volta a ser Espírito, quer dizer, retorna ao mundo dos Espíritos, que deixou momentaneamente.”
Resposta:“Volta a ser Espírito, quer dizer, retorna ao mundo dos Espíritos, que deixou momentaneamente.”
Questão 150:
“A alma, depois da morte, conserva a sua
individualidade?”
Resposta:“Sim, não a perde jamais. Que seria ela se não a conservasse?”
Resposta:“Sim, não a perde jamais. Que seria ela se não a conservasse?”
Questão 155:
“Como se opera a separação da alma e do
corpo?”
Resposta:“Rompidos os laços que a retinham, ela se liberta.”
Resposta:“Rompidos os laços que a retinham, ela se liberta.”
Complemento desta questão:
“A separação se opera instantaneamente
e por uma transição brusca? Há uma linha de demarcação bem nítida entre a vida
e a morte?”
Resposta:“Não, a alma se liberta
gradualmente e não se escapa como um pássaro cativo que ganha subitamente a
liberdade. Esses dois estados se tocam e se confundem; assim, o Espírito se
libera pouco a pouco de seus laços; os laços se desatam, não se quebram.”
Durante a vida, o Espírito se liga ao corpo
por seu envoltório semi-material ou perispírito. A morte é apenas a destruição
do corpo e não desse segundo envoltório que se separa do corpo quando cessa
neste a vida orgânica. A observação prova que, no instante da morte, o
desligamento não se opera senão gradualmente e com uma lentidão que varia muito
segundo os indivíduos. Para alguns ele é muito rápido, e pode-se dizer que o
momento da morte é aquele do desligamento, algumas horas depois. Para outros,
aqueles, sobretudo, cuja vida foi toda material e sensual, o desligamento é
muito menos rápido e dura, algumas vezes, dias, semanas e mesmo meses, o que
não implica existir no corpo a menor vitalidade nem a possibilidade de um
retorno à vida, mas uma simples afinidade entre o corpo e o Espírito, afinidade
que está sempre em razão da preponderância que, durante a vida, o Espírito deu
à matéria. Com efeito, é racional conceber que quanto mais o Espírito se
identifica com a matéria, mais ele sofre ao separar-se dela. Ao passo que a
atividade intelectual e moral, a elevação dos pensamentos, operam um começo de
libertação mesmo durante a vida do corpo e, quando chega a morte, ela é quase
instantânea. [3]
Etimologicamente, morte significa “cessação
completa da vida do homem, do animal, do vegetal”.
Genericamente, porém, morte é
transformação.
Morrer, do ponto de vista espiritual, nem sempre é desencarnar, isto é, liberar-se da matéria e das suas implicações. A desencarnação é o fenômeno de libertação do corpo somático por parte do Espírito que, por sua vez, se desimanta dos condicionamentos e atavismos materiais, facultando a si mesmo liberdade de ação e de consciência. A morte é o fenômeno biológico, término natural da etapa física, que dá início a novo estado de transformação molecular.
A desencarnação real ocorre depois do
processo de morte orgânica, diferindo em tempo e circunstância, de indivíduo
para indivíduo. A morte é ocorrência inevitável, em relação ao corpo, que, em
face dos acontecimentos de vária ordem, tem interrompido os veículos de
preservação e de sustentação do equilíbrio molecular, normalmente em
consequência da ruptura do fluxo vital que se origina no ser espiritual,
anterior, portanto, à forma física. A desencarnação pode ser rápida, logo após
a morte, ou se alongar em estado de perturbação, conforme as disposições
psíquicas e emocionais do ser espiritual. [4]
REFERÊNCIAS
[1] MICHAELIS: moderno dicionário da
língua portuguesa. São Paulo: Companhia Melhoramentos, 1998.
[2] KARDEC, Allan. A Gênese, os
Milagres e as Predições segundo o Espiritismo. Tradução de Salvador Gentile,
revisão de Elias Barbosa. 8. ed. Araras, SP: IDE, 1995. Cap. XI. Item 18. p.
186-187.
[3] KARDEC, Allan. O Livro dos
Espíritos. Tradução de Salvador Gentile, revisão de Elias Barbosa. 100. ed.
Araras, SP: IDE, 1996.
[4] MIRANDA, Manoel Philomeno
(espírito); FRANCO, Divaldo Pereira (psicografado por). Temas da vida e da
morte. Rio de janeiro: Federação Espírita Brasileira, 1989. Cap. “Morte e
desencarnação”. p. 77-78.
OLIVEIRA, Therezinha. Iniciação ao
Espiritismo. 9. ed. Campinas: Centro Espírita “Allan Kardec” – Dep. Editorial,
2001.
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