Por Vinícius Lara da Costa
Fonte: redeamigoespirita.com.br
E ele, respondendo, disse-lhes: Bem
profetizou Isaías acerca de vós, hipócritas, como está escrito: Este povo
honra-me com os lábios,Mas o seu coração está longe de mim;
Marcos 7:6
Talvez o número de revelações espirituais
seja grande no mundo porque, com mais frequência do que desejaria nossa
motivação de praticar o bem, temos pervertido e conspurcado grandes
ensinamentos semeados ao longo da história.
Embora não seja passível de uma afirmação
categórica, praticamente todas as grandes religiões surgiram a partir da
experiência de espíritos maduros que, intuindo as Leis Naturais, as traduziram
de acordo com a cultura e o tempo para seus companheiros. Assim, a primeira
geração da religião costuma ser vigorosa, profética. Após a rolagem do tempo,
porém, o que antes fora vigor tende a se transformar em rigorismo e os
profetas, que são missionários sem formação institucionalizada e cumprem sua
função por uma espécie de impulso íntimo, são lentamente substituídos pelo
sacerdotes: doutores no texto e da língua.
O Espiritismo não possui sacerdotes, pelo
menos não em sua feição original. Não temos - ou não deveríamos ter -
palestrantes, médiuns, espíritos ou dirigentes de instituições, que apenas pela
função que ocupam temporariamente são tomados como referências absolutas da
verdade. Para o Espiritismo conforme organizado por Allan Kardec há apenas duas
fontes de aprendizado seguro para os iniciantes: o estudo dos fundamentos da
nova ciência e a observação dos fatos espíritas, donde se poderia derivar
princípios mais ou menos gerais capazes de sustentar a filosofia e a moral.
Deste modo seria ideal que o móvel para nossas ações se desse no campo da
análise detida, da meditação profunda e da crítica fraterna, reconhecendo que a
autoridade de um espírito ou de um espírita não é fruto de uma boa produção
midiática, do número de livros que ele publicou ou pelo número de seguidores
que fez ao longo da vida, essa autoridade advém, antes, da capacidade de
efetivar transformação na visão de mundo de seus companheiros, reconhecendo-se
sempre como mais um.
Nesta direção o problema da hipocrisia é um
ponto central. Como disse uma vez Richard Simonetti, “os espíritas se odeiam
fraternalmente” e esse ranço, que só é fruto do embaçamento mental e vaidoso de
grupos e seus guias solapa, dia após dia, o que poderia ser uma unidade de
princípios ampla no campo da prática espírita brasileira e mundial.
As divisões aumentam na medida em que não
compreendemos a obra de Allan Kardec e, à guisa de auxílio, nos valemos de outros
autores, por mais respeitáveis que sejam, para tentar edificar a fundação do
Espiritismo em nós. Com humildade e respeito é preciso dizer que se a casa onde
habita sua prática espírita está construída sobre a obra de Léon Denis, Chico
Xavier, Divaldo Franco, Yvonne do Amaral Pereira ou outros nomes importantes do
nosso movimento, cedo ou tarde ela
sofrerá fissuras porque fundação em Espiritismo se chama Allan Kardec. Todos os
que vêm depois dele compõem paredes, telhado, acabamentos, enfim, acabamentos à
obra de nossa morada espiritual. Acredito que o exemplo seja claro.
Mas o que isso tem em relação à hipocrisia?
Ora, na medida em que não estamos seguros da base podemos descobrir que boa
parte dos comportamentos adotados ante os nosso ídolos da caridade e da
filantropia são belos, mas não possuem relação positiva com o Espiritismo.
Vejamos alguns exemplos: Allan Kardec recusa, em o Livro dos Médiuns[1], várias
mensagens atribuídas a espíritos renomados por não revelarem a elevação
necessária, mesmo que bem redigidas. Quantas vezes nós, como movimento, pudemos
fazer o mesmo com os espíritos que nos auxiliam sob a forma de “guias” seja na
casa espírita ou nos congressos? Simplesmente por ter sido dito/ psicografado
por este ou aquele médium as mensagens são isentas de equívocos?
Além disso, como lidar com problemas a
respeito da cobrança e direitos autorais por parte de palestrantes que,
divulgando o Espiritismo, criam plataformas de streaming pagas? Ou então, com a
realização de eventos custosos, em hotéis, sob propagandas nada elevadas,
alegando-se que o recurso dos eventos seria destinado à manutenção de obras
assistenciais, os fins justificam os meios? Isso para não citar a mistura não
ingênua entre terapeutas/médiuns/profissionais liberais que se apresentam com
currículos longuíssimos antes de sua fala. O que impacta no entendimento de
quem escuta e ensina sobre o evangelho se o expositor é engenheiro, mecânico,
desempregado ou professor? Amigos, isso nunca esteve relacionado com o
Espiritismo, nestas circunstâncias todos os ídolos são frágeis, e o pior, mesmo
assim, adoramos o glamour de estar perto “do médium”, “do guia”, “da elite”.
Na Revista Espírita, em dezembro de 1863, o
Espírito Erasto nos apresenta uma bela página a respeito do que ele identifica
como os principais conflitos no seio do Espiritismo. É fácil perceber a
atualidade do pensamento no que tange aos médiuns respeitáveis, porém humanos:
Hoje vossas falanges engrossam a olhos vistos
e vossos partidários se contam aos milhões. Ora, em razão do número de adeptos,
deslizam sob falsas máscaras os falsos irmãos dos quais ultimamente vos falou
vosso presidente temporal. Não que eu venha recomendar-vos que não sejam
abertas vossas fileiras senão às ovelhas sem mancha e as novilhas brancas; não,
porque, mais que todos os outros, os pecadores têm direito de encontrar entre
vós um refúgio contra suas próprias imperfeições. Mas aqueles dos quais vos
aconselho que desconfieis são esses hipócritas perigosos, aos quais, à primeira
vista, se é tentado e conceder toda a confiança. Com o auxílio de uma atitude
rígida, sob o olho observador das massas, eles conservam esse ar sério e digno
que leva a dizerem deles: “Que criaturas respeitáveis!” ao passo que, sob essa
respeitabilidade aparente, por vezes se dissimulam a perfídia e a imoralidade.
Eles
são acessíveis, obsequiosos, cheios de amenidades; eles insinuam-se nos
interiores; eles entram voluntariamente na vida privada; eles escutam atrás das
portas e se fazem surdos para escutar melhor; eles pressentem as inimizades, atiçam-nas
e as alimentam; eles vão aos campos opostos, indagando, interrogando sobre cada
um. O que faz este? De que vive aquele? Quem é fulano? Conheceis sua família?
Depois os vereis ir surdamente desfilar na sombra as pequenas maledicências que
conseguiram recolher, tendo o cuidado de envenená-las com untuosas calúnias.
“São rumores em que a gente não acredita”, dizem eles, mas acrescentam: “Onde
há fumaça há fogo, etc., etc.”
A esses tartufos da encarnação reuni os
tartufos da erraticidade e vereis, meus caros amigos, quanto tenho razão de vos
aconselhar a agir, de agora em diante, com extrema reserva e de vos guardardes
de toda imprudência e de todo entusiasmo irrefletido.[2]
Se não podemos alinhar estes comportamentos
com o fundamentos extremamente simples do Espiritismo, como ainda investir em
uma espécie de “guiismo” tão descarnado da lógica e do bom senso? A resposta
não é racional, porque racionalmente isso não tem sentido. Na mediocridade de
nossa carência humana, o sonho é ser amigo do rei…
Aí chegamos então a uma religião de estrelas,
ansiosa por expandir o número de adeptos e muito atenta aos nichos
mercadológicos em que se enquadra a fé. Uma crença dissidente da ortodoxia, que
se arvora em correta, portanto, uma seita[3]!
Tomando emprestada uma ideia da psicanálise -
tão cara aos movimentos psicologizantes do espiritismo pop - é quase como se
entre posturas afetadas, eventos caritativos e poses para fotos acontecesse,
eventualmente, atos falhos, nos quais representantes destas mentalidades
estranhas resolvem falar em nome da filosofia espírita de questões ligadas a
partidarismos sociais, poder, autoridade e moralismo. Há um recalque presente,
talvez o prazer de ser autoridade. Um prazer narcísico, personalista. Que bom
que a morte sempre vem e destrói tudo isso.
[1] O Livro dos Médiuns, cap. XXXI,
Comunicações apócrifas.
[2]
Revista Espírita, dezembro de 1863, Instruções dos espíritos, Os Conflitos.
[3] De
acepção muitas vezes pejorativa, a seita é constituída de um grupo de indivíduos
que professam uma doutrina diferente da doutrina considerada ortodoxa e
majoritária. É o caso por exemplo dos hereges em matéria de religião; porém,
quando ela se institucionaliza e adquire amplidão, a seita acaba por constituir
uma Igreja: foi esse o destino, principalmente, das Igrejas protestantes. Como
mostra Durkheim, o adepto, antes de se vincular à própria doutrina, quer
participar a princípio do "sistema de forças coletivas" representadas
pela seita. - DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de
Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993.
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