Por Lucas Berlanza Corrêa
Desde que a Internet e as mídias sociais
estabeleceram a grande transformação que produziram no encurtamento das
distâncias e na proliferação das informações e das opiniões, uma mesma receita
se tem repetido. Volta e meia, um adepto de alguma religião tradicional,
notadamente o Catolicismo ou o Protestantismo, faz uso de seu espaço e sua
liberdade na Internet para tecer críticas ao Espiritismo. Diz que somos vítimas
incautas de Satã, que estamos navegando no engano ou, ainda, que não somos
cristãos.
O escritor e dramaturgo Nelson Rodrigues, ao
descrever o brasileiro, falava de nosso “complexo de vira-latas”, que nos
levaria a espezinhar todas as características e elementos da nossa
nacionalidade, julgados inferiores aos das demais. O mesmo complexo, contudo,
nos levaria a eventualmente agir com fanfarronice perante a mais sutil crítica,
o mais leve ataque, que nos feriria o ego. Complexado, o brasileiro reagiria à
crítica de maneira estouvada, sem pensar.
Não é, naturalmente, a identidade nacional
que pretendo apontar aqui; mas fenômeno similar parece ocorrer com os espíritas
brasileiros, em sua maneira de se relacionarem com a própria doutrina.
Revelando pouca penetração no conteúdo das obras fundamentais e apegados a
certos lugares-comuns superficiais ou frases feitas – “cadê seu amor e
caridade”, “não critique o que não conhece”, ou até “você está obsidiado” -,
reagem aos referidos comentários de quem professa outras correntes de pensar
com uma presunção que só pode passar por infantil.
Muitos desses adeptos de outras religiões
contestam os poucos frutos ainda produzidos pelo Espiritismo como movimento
social, o que se dá, temos convicção disso, pela complexidade da materialização
de sua proposta sintética de conhecimento – mascarada pela sua linguagem
didática –, pela sua juventude – um movimento que nasce em 1857 não pode
receber a mesma cobrança que outros que já contam mais de um ou dois milênios –
e pelos ERROS HISTÓRICOS DOS ESPÍRITAS. Todos esses fatos são realidades que
precisamos combater com mergulho sério e dedicado nas páginas kardecianas, e
não com demonstrações lamentáveis de fanfarronice. Essa pequenez social, que em
nada reflete a grandeza de nossa doutrina, parece ser sentida no âmago pelos
adeptos empolgados, a ponto de darem vazão a esse tipo de reação precipitada às
investidas dos polemistas de outros credos.
Qual é a polêmica que devemos aceitar travar,
então, se há alguma? Quando devemos reagir aos que criticam o Espiritismo?
Quando nos for possível fazer “a discussão séria dos princípios que
professamos. Contudo, aqui também deve ser feita uma distinção. Se se trata
apenas de ataques gerais, dirigidos contra a doutrina, sem um fim determinado,
além do de criticar, e se partem de pessoas que rejeitam sistematicamente tudo
quanto não compreendem, não merecem a nossa atenção.” Mais para o final do
artigo, Kardec comenta que essa polêmica será útil por “ocorrer entre gente
séria, que se respeita o bastante para não perder o decoro. Podemos pensar de
modo diverso sem diminuirmos a estima recíproca”. Essa polêmica o próprio
Kardec diz sustentar “diariamente” na Revista, “através das respostas ou das
refutações coletivas que publicamos a propósito deste ou daquele artigo”.
Perguntas e objeções podem constituir “outros tantos assuntos de estudo, de que
nos aproveitamos pessoalmente”.
Não é, portanto, que os espíritas nos devamos
calar quando as mais violentas imprecações são feitas à doutrina que tanto nos
consola e esclarece. É que precisamos saber como e quando responder. Frases
berradas em linguagem virtual, exigências de que o “crítico ignorante” vá
estudar ou insinuações de que está sob a influência dos maus Espíritos – quem
não está? – são invariavelmente inúteis e contraproducentes. Já me manifestei e
continuarei me manifestando em favor da organização de uma “apologética”
espírita, ou seja, da articulação de argumentos e informações para rebater
ataques mais generalizados ou fundamentados dos adversários “ideológicos” do
Espiritismo. Kardec fazia isso, não há por que não fazermos, e mais que isso,
aproveitarmos tal exercício para estudarmos por nós mesmos e qualificarmos a
nossa imersão na dimensão conceitual e cultural do Espiritismo. Parece-me,
inclusive, que isso é fundamental para o êxito da missão doutrinária na Terra.
Ocorre que precisa ser assim, não na base da
irracionalidade, que nos faz passar por indignos de atenção – e não devemos
querer isso, não por querermos ser obcecados pela adesão de prosélitos em
massa, mas porque queremos mobilizar socialmente o Espiritismo com o mínimo da
seriedade com que ele foi originalmente apresentado. Isso não se fará com
chilique de rede social.
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