por Marcos Villas-Bôas
Nos dois últimos textos, procuramos nos
posicionar entre os crédulos e incrédulos, buscando construir uma perspectiva
científica, crítica da literatura sobre manifestações de Espíritos. Isso já foi
feito por inúmeros outros estudiosos bem mais célebres, como os citados Camile
Flammarion, Carl Gustav Jung, Charles Richet, Pierre Curie, Marie Curie e
muitos outros. Continuaremos com eles e acrescentaremos as visões de Gabriel
Delanne e William Crookes.
Richet, vencedor do Prêmio Nobel de
Fisiologia (ou Medicina) em 1913, criou o que se chama de Metapsíquica,
precursora da Parapsicologia, que uns chamam de ciência e outros de
pseudociência, como normalmente acontece com temas que “incomodam” as pessoas.
No seu Tratado de Metapsíquica, Richet
registrou diversas experiências que realizou com médiuns, que levaram a uma
melhor compreensão sobre, por exemplo: a) a telecinesia, ação mecânica sem
contato sobre pessoas ou objetos, como a levitação; b) ectoplasmia, emissão de
fluidos pelo corpo humano que dão origem a materializações de Espíritos; c)
fenômenos psíquicos chamados de “subjetivos”, como telepatia, clarividência,
clariaudiência, xenoglossia, psicografia e outros.
Fato curioso é que Chico Xavier recebeu, em
21 de janeiro de 1936, uma comunicação assinada pelo Espírito Humberto de
Campos que trata do desencarne de Charles Richet, acontecido em 4 de dezembro
de 1935. No relato, conta-se um diálogo entre aquele chamado de “Senhor” e o
“Anjo da Morte”. Este advoga pela permanência de Richet na Terra, enquanto que
aquele diz ser chegada a sua hora, pois, após 85 anos, ele não teria dado como
certa a imortalidade, devendo retornar ao mundo espiritual para receber, como
recompensa pelos seus trabalhos, a centelha divina da crença.
Chico Xavier morava em Pedro Leopoldo, no
interior de Minas Gerais, quando realizou a referida psicografia, tinha 25 anos
e não havia concluído o ensino primário. Naquele tempo de comunicação muito
mais difícil, obviamente, até aquele momento, Chico nem sequer sabia quem era
Charles Richet, muito menos como teria sido sua vida, seus estudos, sua
descrença e sua morte, acontecida apenas 48 dias antes da psicografia.
Se a psicografia está assinada por Humberto
de Campos, com a mesma assinatura que ele tinha em vida, tendo, inclusive, a
viúva dele ajuizado ação judicial para receber direitos autorais pelas obras
publicadas por Chico, os incrédulos precisam explicar qual outra razão
existiria para os dados psicografados, senão a de ter havido, de fato,
comunicação com o Espírito Humberto de Campos.
Richet era um homem da ciência, preocupado
com a sua imagem no seio científico e muito pautado nos experimentos. É
interessante notar que, para muitos, se tornou um maluco voltado para assuntos
metafísicos, enquanto que, para “os céus”, ainda era um descrente. Ele inicia o
livro assim:
“Não verão os seus propósitos realizados
aqueles que neste livro esperarem encontrar considerações nebulosas acerca dos
destinos do homem, da magia e da teosofia. Tudo fiz por escrever um livro de
ciência e não de devaneios. [...] Não obstante, os fatos existem: são
numerosos, autênticos, brilhantes. Achar-se-ão, no decorrer das páginas dessa
obra, exemplos tão abundantes, tão preciosos, tão demonstrativos, que não
percebo como um sábio de boa-fé, consentindo na verificação deles, possa ousar
por todos em dúvida. [...] Escrevendo este livro à maneira dos tratados
clássicos das outras ciências, tais como a física, a botânica, a patologia,
quisemos tirar aos fatos, aos quais chamam ocultos, e dos quais muito
indiscutivelmente são reais, a aparência sobrenatural e mística que lhes
emprestaram as pessoas que nada sabem sobre eles” (Antelóquio do Tratado da
Metapsíquica, p. 9-10).
Richet passou boa parte da vida dedicado a
fenômenos espíritas, mas não os reconhecia como tal, apesar de ter convicção a
respeito de uma força desconhecida agindo ali. Ele buscava explicações
“metapsíquicas” (anímicas) para as manifestações, mas nem sempre encontrava.
Foi um grande colaborador da Ciência Espírita, apesar de ser tido pelos
espíritas como uma espécie de adversário, conforme ele mesmo relata:
“Os espíritas receberam o meu Tratado de
Metapsíquica com grande frieza. Compreendo o seu estado de espírito. Em vez de
aceitar a sua teoria ingênua e frágil, propus aguardar, para se constituir
qualquer teoria defensável, que os fatos fossem classificados, codificados,
marcados, acompanhando-os das necessárias exigências do método experimental. Ao
contrário, os espíritas julgam possuir já uma explicação adequada para todos os
fenômenos. Disse-lhes que a sua explicação era hipotética, mas não hesitei em
reconhecer que em certos casos, raros, a hipótese espírita, simplista, parecia
ser preferível. Creio bem que isso não é senão uma aparência. Portanto a
aparência continua nela.
Se os espíritas fossem justos, reconheceriam
que a minha tentativa de fazer entrar na ordem dos fatos científicos todos os
fenômenos que constituem a base de sua fé, mereceria eu verdadeiramente alguma
indulgência.
Reconhecem eles que o passo dado para trás é
largo, já que desde agora a metapsíquica (criptestesia) parece estar
definitivamente classificada como um fato científico confirmado.
A ciência é, acima de tudo, a soberana mestra
do futuro. Não será por meio de preces, nem por atos de fé nem por convicções
irrefletidas, que ela irá tomar corpo: é unicamente por meio de investigações
exatas, multiplicadas” (Tratado da Metapsíquica, p. 19-20).
As pessoas deveriam aprender com os fatos do
passado, mas isso leva, às vezes, muito tempo para acontecer. Ainda que Richet
não fosse reconhecedor dos Espíritos, ele terminou por comprovar a sua
existência via experimentos que realizou, mas que não conseguia explicar
inteiramente por causas anímicas.
Como acontece na política, os indivíduos - e
não é diferente com alguns espíritas - se irritam quando o outro não concorda
perfeitamente com eles, mesmo que suas ideias endossem as crenças deles
próprios. Por seguirem uma filosofia que prega mais humildade e caridade,
deveriam ter mais cuidado.
Richet foi um gênio, inspiradíssimo pelos
Espíritos, como explicou a comunicação de Humberto de Campos. As suas
conclusões ajudaram a explicar muito do que já havia sido dito pelos Espíritos
a Allan Kardec algum tempo antes.
É preciso ter em mente que o conhecimento
transmitido a Kardec pelos Espíritos era avançado demais para a época e boa
parte dele não poderia ser explicado com tranquilidade a partir de
experimentos, ainda que outra parte pudesse. Deste modo, alguns dos cientistas
mais críticos e menos crédulos, é de se compreender perfeitamente, viam Kardec
como uma figura séria, porém crédula demais, que exagerou na crença em torno
das comunicações que fazia.
A questão é que as psicografias, os
experimentos científicos (espíritas ou não) e a prática mediúnica que vieram
após Kardec, e continuam crescendo até hoje, apenas confirmaram o que está nos
seus livros.
Se, mesmo apesar de ter confirmado muito do
que estava no Livro dos Médiuns, de Kardec, Richet era descrente na existência
de Espíritos; o seu amigo e companheiro em pesquisas, Gabriel Delanne, era o
contrário dele. Com pai espírita e mãe médium, Delanne era convicto:
“Força é que se convençam de que muitos
milhões de homens não são vítimas de uma loucura contagiosa; que, se creem, é
porque a doutrina lhes oferece os mais dignos ensinos, porque abre ao espírito
os mais vastos horizontes. Convém, enfim, que se deixem de lado as fáceis
zombarias empregadas há vinte e cinco anos nos jornalecos, e que nem mesmo
fazem rir os que editam. A nova ciência que ensinamos não consiste, somente, no
movimento de uma mesa, porque, tão grande é a distância que vai destes modestos
ensaios as suas consequências, quão a maçã de Newton à gravitação universal.
Convidamos o homem de boa fé a fazerem
pesquisas sérias, pedimos-lhes que meditem nos ensinamentos de nossa filosofia
e eles se convencerão de que nas nossas explicações nunca intervém o
sobrenatural.
O Espiritismo repele o milagre com todas as
forças. Faz de Deus o ideal da justiça e da ciência; diz que o Criador do
Mundo, tendo estabelecido leis que exprimem seu pensamento, não pode
derrogá-las, pois que elas são a obra da razão suprema e é impossível qualquer
infração a essas leis. Os fatos espíritas podem ser todos, senão explicados,
pelo menos compreendidos com os dados da ciência atual, o que demonstraremos no
fim desta obra.
A parte espiritual do homem foi desprezada
pelos sábios; seus trabalhos versavam tão-só sobre o corpo e eis que os
Espíritos invadem a Ciência que os havia desenhado” (O Espiritismo perante a
Ciência, p. 94-95).
Nesse mesmo livro, Delanne faz um ótimo histórico
das manifestações espíritas e das experimentações científicas sobre elas.
Destaque-se a menção a William Crookes, cientista nomeado cavaleiro em 1897,
condecorado com a medalha de Ordem ao Mérito pelo Rei Eduardo VII em 1910 e
muito renomado por descobrir o tubo de imagem, que deu ensejo à TV e aos
primeiros monitores (de computadores etc.); o elemento químico Tálio, de número
atômico 81, em 1861; o radiômetro em 1873; e obter a primeira amostra conhecida
de Hélio em 1895; até que decidiu enveredar pelos estudos científicos
espíritas, como explica Delanne:
“O ilustre inventor do radiômetro penetra num
domínio até então completamente desconhecido, e que, marcando o limite das
coisas que se sabem, toca nas que se ignoram e que, talvez, nunca se venham saber.
Esse químico ilustre, esse físico de gênio,
Crookes, submeteu a estudo as manifestações espíritas, não com ideias
preconcebidas, mas com o desejo firme de instruir-se e de só apoiar o seu
julgamento na evidência. Diz ele:
‘Em presença de semelhantes fenômenos, os
passos do observador devem ser guiados por uma inteligência tão fria e pouco
apaixonada, quanto os instrumentos de que faz uso. Tendo a satisfação de
compreender que está na trilha de uma verdade nova, esse único objetivo deve
animá-lo a prosseguir, sem considerar se os fatos que se lhe apresentam são
naturalmente possíveis ou não.
Com tais ideias, começou ele seus estudos
sobre o Espiritismo; duraram perto de 10 anos e foram publicados com o título –
Recherches sur le phénomènes du Spiritualisme, traduzido do inglês por J.
Alidel’” (O Espiritismo perante a Ciência, p. 100).
Ao contrário dos demais livro citados, a obra
de Crookes, tão ou mais fenomenal, é encontrada apenas em inglês ou francês,
sendo ainda maior a razão para transcrevermos trechos neste e em outros textos,
em inglês e depois com tradução livre em português, comentando-os em seguida.
Comecemos apenas com um aperitivo e deixemos o restante para os posts que virão
logo em seguida:
“Twelve months ago in this journal I wrote an
article, in which, after expressing in the most emphatic manner my belief in
the occurrence, under certain circumstances, of phenomena inexplicable by any
known natural laws, I indicated several tests which men of science had a right to demand before giving credence to the genuineness of
these phenomena. Among the tests pointed out were, that a ‘delicately poised
balance should be moved under test conditions;’ and that some exhibition of
power equivalente to so many ‘foot-pounds’ should be ‘manifested in his
laboratory, where the experimentalist could weigh, measure, and submit it to
proper tests’. I said, too, that I could not promise to enter fully into this
subject, owing to the difficulties of obtaining opportunities, and the numerous
failures attending the enquiry; moreover, that ‘the persons in whose presence
these phenomena take place are few in number, and opportunities for
experimenting with previously arranged apparatus are rarer still’.
Opportunities having since offered for
pursuing the investigation, I have gladly availed myself of them for applying
to these phenomena careful scientific testing experiments, and I have thus
arrived at certain definite results which I think it right should be published.
These experiments appear conclusively to establish the existence of a new
force, in some unknown manner connected with the human organisation, which for
convenience may be called the Psychic Force.
Of all the persons endowed with a powerful
development of this Pschic Force, and who have been termed ‘mediums’ upon quite
another theory of its origin, Mr. Daniel Dunglas Home is the most remarkable,
and it is mainly owing to the many opportunities I have had of carrying on my
investigation in his presence that I am enabled to affirm so conclusively the
existence of this Force. The experiments I have tried have been very numerous,
but owing to our imperfect knowledge of the conditions which favour or oppose
the manifestations of this force, it has but seldom happened that a result
obtained on one occasion could be subsenquently confirmed and tested with
apparatus specially contrived for the purpose” (Researchers in the Phenomena of
Spiritualism, p. 9-10).
Crookes explica quão científicos e sérios
foram seus experimentos, e, em suma, afirma que chegou a resultados
inexplicáveis pelas leis naturais, conforme tradução livre abaixo:
“Doze meses atrás, eu publiquei um artigo
neste jornal, no qual, após expressar da maneira mais enfática minha crença na
ocorrência, sob certas circunstâncias, de fenômenos inexplicáveis por quaisquer
leis naturais conhecidas, eu indiquei vários testes os quais homens da ciência
tinham o direito de demandar antes de dar credencial de genuinidade a tais
fenômenos. Entre os testes referidos estava o de que ‘uma delicada balança deveria
ser usada em condições de testes’ e que alguma exibição de poder equivalente a
tantas ‘libras’ deveria ser ‘manifestada no seu laboratório, onde o
experimentalista poderia pesar, medir e submetê-la aos testes apropriados’. Eu
disse, também, que eu não poderia prometer entrar totalmente nesse assunto,
devido às dificuldades de obter oportunidades e às inúmeras faltas de me
comprometer com a averiguação; ademais, que ‘as pessoas nas presenças das quais
esses fenômenos tomam lugar são poucas em número e oportunidades para
experimentação com aparato previamente preparado são ainda mais raras’.
Oportunidades tendo, desde então, aparecido
para realizar a investigação, eu tenho prazerosamente me servido delas para
aplicar a esses fenômenos cuidadosos experimentos científicos de teste e eu,
então, cheguei a certos resultados definidos os quais eu acho que deveriam ser
publicados. Esses experimentos parecem conclusivamente estabelecer a existência
de uma nova força, em alguma maneira desconhecida conectada com a organização
humana, que, por conveniência, pode ser chamada a Força Psíquica.
De todas as pessoas dotadas de poderoso
desenvolvimento dessa Força Psíquica, e que têm sido chamadas de ‘médiuns’ por
outra teoria acerca da sua origem, o Sr. Daniel Dunglas Home é a mais marcante,
e é, sobretudo, devido às muitas oportunidades que eu tive de realizar a minha
investigação na sua presença que eu estou permitido afirmar tão conclusivamente
a existência dessa Força. Os experimentos que eu tenho testado são muito numerosos,
mas, devido ao nosso imperfeito conhecimento das condições que favorecem ou
opõem manifestações dessa força, até a caprichosa maneira pelas quais são
exercidas, e ao fato que o próprio Sr. Home está sujeito a incontáveis fluxos e
refluxos de força, apenas raramente um resultado obtido numa ocasião poderia
ser subsequentemente confirmado e testado com aparato especialmente idealizado
para o fim.”
Os detalhes dos experimentos de Crookes serão
apresentados nos próximos textos.
COMPARTILHE ESTA MENSAGEM
0 Comentários