Nós partimos do
pressuposto de que existe uma razão para reencarnar. De acordo com a Doutrina
Espírita, a reencarnação é um processo de aprendizado. Existe a Lei do
Progresso, e obedecendo a essa Lei nós reencarnamos quantas vezes forem
necessárias para o nosso aprimoramento num determinado plano – no nosso caso, o
plano físico do planeta Terra.
Esse é o
entendimento da Doutrina Espírita. Há outros entendimentos possíveis.
Os budistas, por
exemplo, não acreditam exatamente em reencarnação, mas em renascimento – nós
podemos renascer em outros seres, inferiores ou superiores a nós. A vantagem de
renascer como humano é a possibilidade de alcançar o Nirvana e acabar com o
ciclo de renascimentos.
Os antigos
gnósticos acreditavam que o plano material é o produto de uma catástrofe
cósmica.
Só pra esclarecer:
Em 1945 foi descoberta a chamada Biblioteca de Nag Hammadi, uma série de livros
predominantemente gnósticos. O gnosticismo vigorou com força nos séculos II e
III. Eles achavam que este mundo em que vivemos é um erro, um erro cósmico, e
que nós temos que transcender esse mundo através do conhecimento (gnose é
conhecimento, em grego).
Mas a nossa
referência quando nós falamos em reencarnação é a Doutrina Espírita.
Allan Kardec tratou
a reencarnação como dogma. É o que nós vemos na questão 171 de O Livro dos
Espíritos. Temos que considerar que não se trata de um dogma religioso, mas de
um dogma filosófico. É um princípio sobre o qual se assenta a Doutrina.
Uma coisa que
merece ser dita é que Allan Kardec, mesmo depois da publicação da 1ª edição de O
Livro dos Espíritos, continuou com dúvidas a respeito da reencarnação. Ele
trata desse tema na Revista Espírita de Novembro de 1958 no artigo Da
pluralidade das existências corpóreas.
A 1º edição de O
Livro dos Espíritos, de 1857, foi produzida a partir das comunicações de alguns
espíritos através de três médiuns adolescentes. É importante lembrar isso
porque a maior parte dos espíritas (a quase totalidade) acredita que a chamada
codificação, que alguns chamam de “pentateuco kardekiano”, foi elaborada a
partir de milhares de comunicações e que passou pelo Controle Universal do
Ensino dos Espíritos.
Não foi assim.
Allan Kardec estabeleceu o Controle Universal do Ensino dos Espíritos como um
meio de avaliação para novos pontos doutrinários, mas ele não seguiu esse
método no começo do seu trabalho. E como o dogma da reencarnação aparece já no
alvorecer da Doutrina, que é a 1º edição de O Livro dos Espíritos, podemos
afirmar categoricamente que a reencarnação, para a Doutrina Espírita, é um
dogma filosófico. Allan Kardec acata a teoria da reencarnação como um dogma
filosófico, não se importando em comprovar a teoria da reencarnação através do
Controle Universal do Ensino dos Espíritos.
Allan Kardec não
foi pioneiro no estudo das manifestações dos espíritos. O que Allan Kardec fez
de inovador foi a elaboração de um corpo doutrinário, mas quando ele tomou
conhecimento das manifestações dos espíritos já havia estudos em andamento
conduzidos por cientistas reconhecidos na época.
Um dos grandes
nomes da época é o cientista e conselheiro imperial russo Alexandre Aksakof.
Aksakof foi o primeiro pesquisador a considerar o animismo presente nas
manifestações. Quando falamos em animismo estamos falando da participação mais
ou menos inconsciente do espírito do próprio médium na comunicação atribuída a
um espírito ou na produção de um fenômeno. Aksakof é o autor do livro Animismo
e Espiritismo, um clássico publicado até hoje pela FEB.
O que poucos
espíritas sabem é que Alexandre Aksakof foi um crítico contundente de Kardec.
Uma das críticas de Aksakof a Kardec é que Kardec pulou a fase da
experimentação. Kardec preferiu, desde o começo do seu trabalho, logo depois da
publicação da 1ª edição de O Livro dos Espíritos, trabalhar com médiuns
escreventes. Nós sabemos hoje, em grande parte por causa de Aksakof, que (nas
palavras dele) “médiuns escreventes se deixam levar facilmente pela influência
psicológica das ideias preconcebidas”.
Paralelamente ao
Espiritismo, e tendo iniciado antes do Espiritismo, existia o espiritualismo
inglês, ou espiritualismo anglo-americano. Na Inglaterra, especificamente, onde
o espiritualismo era bem desenvolvido, e onde muitas experiências foram
realizadas, as comunicações dos espíritos afirmavam que não existe
reencarnação. Para Kardec, isso se devia ao preconceito dos americanos e
ingleses, que não estavam preparados para receber esse ensinamento.
O fato é que a
teoria da reencarnação não era unanimidade entre os espíritos que se
comunicavam.
Eu não tenho a
menor dúvida de que existe reencarnação. Os estudos do Dr. Ian Stevenson
atestam a existência da reencarnação. Hoje, com a internet, nós tomamos
conhecimento de muitos casos de crianças que têm lembranças espontâneas de suas
existências anteriores e contam detalhes irretorquíveis dessas existências.
Eu jamais coloquei
em dúvida a existência da reencarnação.
Por que, então, eu
mencionei essa controvérsia em relação a Kardec?
Em primeiro lugar,
é preciso dizer que nós não tememos a verdade. Quem tem fé sólida não precisa
se apegar a um conjunto de crenças.
É verdade que
existe reencarnação, mas também é verdade que a maneira como o Espiritismo
trata a reencarnação é fruto de um conjunto de crenças – crenças construídas a
partir da argumentação filosófica de Kardec.
A reencarnação é
tratada, na literatura espírita, como se fosse condição obrigatória para todos;
como se fosse o único meio de alcançar o progresso; e como se existisse um
ponto determinado a alcançar, e que para alcançar esse ponto seriam necessárias
muitas e muitas reencarnações.
Há muitas fantasias
no meio espírita. São teorias que foram lançadas por alguém (geralmente por um
espírito carismático, como Emmanuel), essas teorias conquistaram a simpatia dos
espíritas, passaram a ser repetidas por outros espíritos encarnados e
desencarnados, e hoje se tornaram dogmas de fé – ninguém as questiona.
A reencarnação é um
fato. Mas o modo como tudo se processa foge ao nosso conhecimento.
– Ah, mas os
espíritos disseram!
Os espíritos não
sabem tudo. Os espíritos têm suas opiniões formadas, seus preconceitos, suas
limitações. Espíritos realmente superiores não conseguem se comunicar conosco.
Além disso, por
melhor que seja o médium, ele também tem ideias preconcebidas, limitações e
falhas de caráter. Nenhuma mensagem dos espíritos chega até nós com exatamente
o mesmo teor com que foi emitida.
Nós temos teorias,
nós temos alguns experimentos, nós temos hipóteses de trabalho, nós temos a
lógica, e nós temos a intuição – certezas nós as temos poucas.
Mas voltemos à
primeira pergunta:
Até quando
reencarnaremos?
Uma respostinha
padrão seria: “Até quitarmos todos os nossos débitos e aprendermos tudo o que
podemos aprender nesse plano físico”.
Será mesmo?
Por que nós
reencarnamos?
Nós reencarnamos
por que nossos interesses estão no plano físico. Ainda somos muito animais e
pouco espirituais. Nós alimentamos ilusões: ilusões de poder, ilusões de
prazer, ilusões afetivas – isso sem falar dos vícios: vício em comida, vício em
álcool, vício em drogas, vício em sexo, vício em dinheiro, vício em consumo,
vício em jogo, vício em diversão, carência afetiva, doenças… há uma infinidade
de coisas que nos prendem ao plano físico.
Buda e Jesus têm um
ensinamento em comum: o desapego. O budismo prega o desapego como meio de
libertação do ciclo de renascimentos. Jesus ensinou muito sobre o desapego.
Esse é um ensino de Jesus que não foi devidamente evidenciado até hoje. Talvez
o principal ensino de Jesus seja o desapego, e não o amor, como costumamos
pregar.
O mundo material é
um mundo de ilusão. Isso eu não acho, isso eu tenho certeza. Nós só nos
libertaremos desse mundo de ilusão quando nós pararmos de nos iludir. Falta
muito.
Mas isso não quer
dizer, necessariamente, que temos uma cota determinada de erros passados a
resgatar ou que temos uma cota determinada de aprendizado a assimilar.
E aqui cabe
introduzir a segunda pergunta:
Onde acaba o ciclo
de causas e efeitos?
Causa e efeito é um
fenômeno da mente. A mente é um programa – como um programa de computador. A
mente é o programa através do qual nós experimentamos possibilidades. O plano
físico é isso: uma experimentação de possibilidades.
Nós programamos a
mente e a partir de um determinado momento ela passa a agir sozinha, no piloto
automático. Em vez de nos servirmos da mente, então, passamos a ser
escravizados pela mente. É a mente que nos mantém escravizados na ilusão.
Se recobrarmos o
domínio sobre a mente nós poderemos nos libertar do ciclo de causas e efeitos,
por que esse ciclo é produto da mente.
Eu estou falando em
“mente”, mas o correto seria falar em “intelecto”. A mente pode ser dividida em
duas dimensões: o plano mental superior ou abstrato e o plano mental inferior
ou concreto ou, ainda, intelecto. É o intelecto que racionaliza tudo.
O budista que
alcança o Nirvana através da meditação ultrapassa o intelecto. Ele se desapegou
da ilusão, então não precisa mais renascer, e se libertou do ciclo de causas e
efeitos, pois foi além do intelecto.
Nós vemos em Nosso
Lar que André Luiz, depois do seu primeiro dia de trabalho nas câmaras de
retificação, vai para um aposento para dormir. Quando ele dorme se vê
transportado para uma dimensão superior. Ele tem plena consciência de que
deixou o seu corpo astral adormecido no aposento – então ele é desdobrado para
o plano mental. Lá ele encontra a sua mãe. A mãe de André Luiz já vivia numa
dimensão superior – provavelmente o plano mental inferior.
A mãe de André Luiz
tinha sido, ao que tudo indica, uma pessoa normal – e vivia em uma dimensão
superior.
Ainda em Nosso Lar
nós temos o exemplo da Ministra Veneranda, que estava há mil anos
supervisionando um grande grupo de espíritos, uma grande família espiritual.
Ela já não
precisava mais reencarnar. Podia estar vivendo num plano superior, em grande
paz, mas sacrificava a sua paz individual para trabalhar em benefício daqueles
pelos quais ela se sentia responsável.
Eu intimamente
tenho convicção de que não é assim tão difícil cessar o ciclo reencarnatório.
Acontece que nós vivemos numa cultura judaico-cristã. Para um budista ou para
um hinduísta não há nada de errado no fato de o indivíduo seguir o seu caminho:
abandonar o mundo, as coisas do mundo e as pessoas – e seguir o seu caminho.
Mas, para o
cristão, isso pode parecer egoísta. Nós nos questionamos:
– Como pode alguém
viver em paz, numa dimensão superior, sabendo que os espíritos que foram seus
filhos, seu cônjuge, pais mães, irmãos, continuam aqui sofrendo nesse mundo de
ilusão?
É uma questão
difícil. Não há dúvida de que a decisão da Ministra Veneranda, de permanecer
supervisionando os seus espíritos queridos, é uma decisão meritória, bonita.
Mas eu também não
veja nada de errado em cada um seguir o seu caminho. Quem se libertou da ilusão
já não tem pena daqueles que ficam – pois essa pena também é uma forma de
apego. Ele compreende perfeitamente que tudo isso é passageiro, e que mais cedo
ou mais tarde cada um descobre a verdade e também se liberta.
Uma dúvida pode
surgir:
– Se alguém
conseguir se desapegar de tudo no plano físico ele pode se livrar do ciclo
reencarnatório e do ciclo de causas e efeitos mesmo não tendo reparado o mal
que fez para os outros?
Quem consegue se
desapegar é porque já tem conhecimento suficiente acerca da ilusão do mundo e
não tem males significativos a reparar. Uma mente culpada não consegue se
desvencilhar da ilusão.
Morel Felipe Wilkon
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