Não é de política que vou falar, por
enquanto. Vou falar de humanismo, de cristianismo, de fraternidade. Estamos
mergulhados numa onda de ódio, de radicalismo fascista, de rejeição ao bom
senso. E a quem podemos recorrer para inspirar nossas ações, nossas palavras,
nossos pensamentos? Se nos pretendemos cristãos, sejamos católicos, evangélicos
ou espíritas, ou simplesmente simpatizantes de Cristo, é justamente a ele que
devemos apelar: para os seus ensinos, para o seu exemplo, para o seu legado.
Jesus puro e simples e não aos cristãos, que dizem segui-lo. Cristãos já
fizeram as Cruzadas, já incendiaram gente na Inquisição, participaram e
participam de grupos racistas e violentos, como a Ku-klux-klan, apoiaram o
nazismo e perseguiram judeus e muçulmanos, séculos afora… Mas será que, ao
fazerem tudo isso, chegaram alguma vez perto de seu Mestre, foram semeadores do
seu Reino nesse mundo? Ou a cada gesto de violência e intolerância, guerra e
morticínio, retardaram a vinda do Reino e espalharam as sombras do fanatismo e
da ignorância?
De novo hoje, vemos cristãos que não entendem
Jesus, ou pelo menos, acham-no talvez um tanto utópico, um tanto mole, um tanto
romântico, inaquedado para a dureza de nosso mundo e dos nossos tempos.
Não, Jesus não era um covarde, assim como não
o foram seus verdadeiros seguidores, como Francisco de Assis, Gandhi (que
apesar de hindu, se inspirava também no Sermão da Montanha), Martin Luther King
e tantos outros, que enfrentaram a perseguição, a prisão e até a morte, para
semear o Reino da verdade e da fraternidade no mundo.
O verdadeiro cristão não fere, não julga, não
mata, não tem desejos de extermínio, tormento e castigo do outro. O verdadeiro
cristão acolhe, perdoa, se compadece, entende que a violência do outro é
doença, ignorância e não se rebaixa com mais violência, mas eleva-se em exemplo
de paz, em proposta de educação. “Não julgueis para não serdes julgados”,
“Bem-aventurados os mansos, porque herdarão a terra!”
O verdadeiro cristão não discrimina, não
fere, não grita, não favorece a guerra, não anda armado, não condena a
sexualidade alheia. “Quem estiver sem pecado, atire a primeira pedra!” “Quem
com ferro fere, com ferro será ferido”. Essa frase, aliás, foi dita a Pedro, no
momento em que ele, Mestre, estava sendo preso e o apóstolo sacou de uma espada
para defender Jesus. Nesse minuto, recebeu a lição máxima da não-violência: é
melhor ser injustiçado do que injustiçar, ser ferido do que ferir, ser preso,
torturado e morto, do que prender, torturar e matar…
Essa é a filosofia cristã… por isso, durante
300 anos, os primeiros cristãos se entregavam aos leões da arena romana,
cantando seu perdão e orando pelos algozes.
Quem acha tudo isso rematada loucura,
fraqueza ou utopia, não entendeu a mensagem de Jesus e ainda está vivendo os
valores da velha Roma, em que é preciso lavar a honra com sangue e em que
perdoar é indignidade e humilhação.
Nosso problema central é que depois de 300
anos sendo vítimas pacíficas da perseguição romana, os cristãos ascendem ao
poder, pelas mãos de Constantino, funda-se a Igreja Católica Apostólica Romana
e, de mártires, pouco a pouco, os cristãos se tornam perseguidores,
inquisidores, guerreiros, poderosos – tudo em nome de Jesus, num permanente
sofisma histórico! Desde então, vivemos nessa contradição absurda: uma
civilização que se diz seguidora de Jesus, mas que é constituída de Estados
militarizados, de policiamento aos indivíduos, de repressão à liberdade, de
descrença na fraternidade entre os seres humanos. Sociedades construídas em
bases de violência, exploração e exclusão. Foi por isso que Tolstoi entendeu o
cristianismo como uma forma de anarquismo, com a abolição de todos os poderes,
porque todos são sustentados pela violência institucional.
Somos cristãos, discípulos de um Mestre que
tinha entre seus seguidores mulheres de todas as condições e inclusive, após a
morte, apareceu em primeiro lugar para uma mulher – mas a nossa civilização
violenta, desrespeita, oprime a mulher…
Somos cristãos, discípulos de um Mestre que
amava as crianças e dizia que deveríamos ser como elas, para ganhar o Reino dos
Céus, e a nossa civilização ainda abusa, violenta, escraviza e domestica a
criança…
Somos cristãos, discípulos de um Mestre que
disse que deveríamos nos amar uns aos outros, como ele nos amou, e nossos
Estados, a polícia e muitos cidadãos consideram natural matar, guerrear,
torturar…
Somos cristãos, discípulos de um Mestre que
andava com gente que era considerada ralé em sua época – prostitutas, escribas,
cobradores de impostos – e consideramos desculpável discriminar (e até matar!!)
alguém por sua orientação sexual.
Somos cristãos, discípulos de um Mestre que
disse que seus seguidores viriam do Ocidente e do Oriente e pregou e viveu a
fraternidade universal e praticamos durante séculos a escravidão de africanos e
ainda estamos estruturados socialmente no racismo, na desigualdade, na exclusão
social…
Jesus amado! Tanta clareza usaste, palavras
tão poéticas, diretas e simples… Exemplos tão tocantes, arrebatadores e fortes!
E parece que a maioria nada entendeu. Ou vamos descobrindo passo a passo, cada
qual no seu ritmo evolutivo (Gandhi dizia que o bem anda na velocidade de uma
lesma!!!) que: violência só gera violência, que o amor cobre a multidão de
pecados e que o Reino só virá pela fraternidade entre todos os seres humanos!
O princípio da não-violência não nos induz à
omissão, à covardia, à moleza de atitudes ou ao silêncio de quem consente com
toda sorte de violência. A prática da não-violência é a resistência ao mal; é a
luta pacífica, sem ódio, mas com firmeza; é a permanente semeadura de valores
como dignidade humana, respeito a todas as criaturas, igualdade de direitos e
justiça!
Justiça que não é vingança ou punição,
massacre e ódio. Justiça que é o pão para todos, a vida respeitada, a educação
garantida, a saúde cuidada e o crime, se existir nas condições de uma sociedade
justa e bem organizada, tratado como um problema psíquico a ser cuidado e não
como um motivo para arrancar do criminoso a sua dignidade e a sua capacidade de
superação e educação.
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