Mesmo quando dormia, Irena não conseguia
esquecer. Em sonhos, ela se via tirando uma criança, que chorava
desesperadamente, dos braços da mãe que lhe perguntava: 'jura que meu filho se
salvará?' Responsável por salvar 2.500 crianças do gueto de Varsóvia, Irena
jamais esqueceu aqueles terríveis momentos em que era obrigada a separar os
filhos de seus pais.
Irena Sendler faleceu no dia 12 de maio
último, aos 98 anos. Jamais se considerou uma heroína. Pelo contrário. Quando
alguém mencionava sua coragem, respondia: Continuo com a consciência
pesada de ter feito tão pouco...
O Instituto Yad Vashem reconheceu o valor
dessa mulher extraordinária, em 1965, concedendo-lhe o título de "Justo
entre as Nações", mas poucos conheciam sua história até menos de uma
década atrás. Em 2000, o silêncio que se formara em volta de seu nome foi
quebrado, quase por acaso, graças ao empenho das alunas de uma escola
secundária de Uniontown, Kansas, nos Estados Unidos: Megan Stewart, Elizabeth
Cambers, Jessica Shelton, de 14 anos, e Sabrina Coons, de 16.
No início do ano letivo de 1999, as quatro
jovens, estimuladas por seu professor, Norm Conard, se inscreveram no Concurso
Nacional de História de seu país para alunos do ensino médio. Na hora de
escolher o tema, Conard mostrou-lhes um recorte de 1994, do News and World
Report, onde havia uma nota sobre Irena Sendler, polonesa que salvara ao menos
2.500 crianças judias do Gueto de Varsóvia. Mas, alertara o professor, era
provável que houvesse um erro tipográfico naquele número, pois jamais ouvira
falar da tal senhora. As jovens não tardaram a descobrir que os números eram
exatos, mas que não faziam jus à coragem e valor de Irena.
Nos primeiros meses de 2000, decidiram escrever uma peça teatral baseada em sua vida, intitulada "Life in a Jar", Vida dentro de uma garrafa. E, para grande surpresa, descobriram que Irena ainda estava viva e bem de saúde, apesar de presa a uma cadeira de rodas, há anos, por lesões provocadas pelas torturas que sofreu nas mãos da Gestapo. As jovens entraram em contato com Irena e, a partir dali, mudaram sua vida.
A peça teve grande aceitação e foi
representada centenas de vezes através dos Estados Unidos e Canadá, até
finalmente chegar aos palcos da Polônia, além de ser transmitida pelo rádio e
televisão.
Os primeiros anos
Irena nasceu em 15 de fevereiro de 1910, em
Otwock, cidade próxima a Varsóvia, filha única do casal Krzyzanowski. A família
sempre manteve estreitas relações com a comunidade judaica da cidade. O pai,
Stanislaw, era médico e entre seus pacientes havia vários judeus, muito dos
quais sem recursos. Ardente socialista, Stanislaw não cansava de ensinar à
pequena Irena que o ato de ajudar devia ser para todo ser humano uma
necessidade que emanasse do coração, não importando se o indivíduo a ser
ajudado era rico ou pobre, nem a que religião ou nacionalidade pertencia.
Em 1917, Otwock foi tomada por uma epidemia de tifo. Stanislaw, fiel aos seus
ideais, não deixou a cidade e continuou socorrendo os doentes. Ele mesmo
contraiu tifo, mas antes de morrer fez uma última recomendação à filha: Se
vires alguém se afogando, deves pular na água e tentar ajudar, mesmo se não
souberes nadar.
Na juventude, Irena estudou literatura
polonesa e se filiou ao Partido Socialista. Na década de 1930, quando o
endêmico antissemitismo polonês aumentava sua virulência, Irena foi expulsa da
Universidade de Varsóvia por enfrentar um professor que obrigara os alunos
judeus a se sentar em local separado, na classe. A jovem foi para o "setor
judaico" da sala e quando o professor lhe disse para mudar de lugar,
respondeu: "Hoje sou judia".
Casou com Mieczyslaw Sendler, com o qual não
teve filhos e passou a trabalhar como assistente social. Quando os alemães
invadiram a Polônia, em setembro de 1939, ela trabalhava no Departamento de
Bem-estar Social de Varsóvia, única organização oficial polonesa autorizada a
atuar no país, além da Cruz Vermelha. Irena era responsável pela administração
dos refeitórios comunitários localizados em cada distrito da cidade, que,
graças a ela, distribuíam, além de alimento, roupas, medicamentos e algum
dinheiro. E, quando se tornou proibido atender os judeus, ela registrou aqueles
que iam pedir ajuda com nomes cristãos, fictícios. Para evitar visitas de
inspeção, colocava nas fichas que na família havia doença infecciosa, como tifo
ou tuberculose.
Atuando dentro do Gueto de Varsóvia
Na Polônia, a perseguição nazista aos judeus
iniciara-se imediatamente após a invasão. Os alemães sabiam que o profundo
antissemitismo que permeava a sociedade polonesa facilitaria a execução de seus
planos para a comunidade judaica. Em outubro de 1940, a Gestapo decretou a
transferência imediata de todos os judeus de Varsóvia para um antigo bairro
que, em poucos meses, se tornou um gueto no sentido mais nefasto da palavra.
Rapidamente, levantou-se um alto muro isolando seus habitantes da
"Varsóvia ariana". O gueto, com apenas 4 km2, com
capacidade, em condições normais, para 60 mil pessoas, passou a abrigar 380 mil
judeus. Nos meses seguintes, outros 100 mil para lá foram levados. Em menos de
um ano, meio milhão de judeus estavam isolados e vigiados de perto pelos
nazistas, para impedir contatos com a parte 'ariana' da cidade.
Dentro do gueto, as condições de vida eram
subumanas. As cotas de alimentos eram mínimas, produtos sanitários e
farmacêuticos em quantidade insuficiente. Grande parte da população sequer
tinha abrigo; quem conseguia algum cômodo o partilhava, com mais 10 pessoas.
Além das execuções sumárias, os nazistas queriam matar os judeus de fome, frio
e doenças. Entre o início de 1940 e meados de 1942, uns 83 mil morreram.
Os números só não foram maiores porque os
judeus conseguiam contrabandear para dentro dos muros alimentos e remédios.
Instituições judaicas atuavam dentro do gueto tentando aliviar o sofrimento de
seus irmãos. Entre elas, a Sociedade Judaica de Ajuda Mútua, a Federação
Judaica das Associações de Orfanatos e Lares para Crianças e a Organização de
Reabilitação através do Trabalho (ORT). Até o final de 1941, quando os Estados
Unidos entraram na guerra e passou a ser proibido aos americanos remeter fundos
a países sob ocupação inimiga, as organizações recebiam recursos principalmente
do American Jewish Joint Distribution Committee.
Quando, em novembro de 1940, os portões do
gueto se fecharam, Irena se deu conta que 90% dos 3 mil judeus a quem prestava
auxílio ficaram fora de seu alcance. Mas não se deu por vencida. Em depoimento
ao Yad Vashem, conta:
Consegui, para mim e minha amiga Irena
Schultz, identificações do Gabinete Sanitário, que tinha como tarefa, entre
outras, lutar contra as doenças contagiosas. Aleguei que não íamos ajudar
judeus, mas apenas fazer um levantamento diário das condições sanitárias. Mais
tarde, consegui passes para outras colaboradoras". Irena Schultz também
foi agraciada em 1965 pelo Yad Vashem com o título de "Justa entre as
Nações.
Com esse estratagema, as duas Irenas poderiam
entrar no gueto quando quisessem. Uma vez dentro, as jovens imediatamente
reataram seus antigos contatos. Diariamente ‒ e mais de uma vez em um único dia
‒ cruzavam os portões levando escondido em suas roupas, alimentos, roupas,
remédios e dinheiro que obtinham do próprio Departamento de Bem-Estar Social,
apresentando documentos que elas mesmas falsificavam. Para não despertar a
suspeita dos guardas alemães, entravam sempre por portões diferentes e, uma vez
dentro do gueto, Irena usava no braço a Estrela de David. Além de ser uma forma
de mostrar sua solidariedade, ela se confundia entre a população e
"ninguém me pedia documentos ou questionava o que eu fazia".
Com o passar dos meses, as condições de vida
no gueto se tornaram ainda mais terríveis. Sabe-se que a partir de junho de
1941 o número mensal de mortes chegou a 5 mil. Irena estava definitivamente
convencida de que a única forma de salvar alguém daquele inferno era ajudando-o
a fugir. Passa, então, a trabalhar na organização das fugas. Os primeiros a
serem retirados foram as crianças órfãs.
Em julho de 1942, os nazistas iniciaram a
deportação em massa para o campo de Treblinka. Tornara-se ainda mais premente
remover do gueto o maior número possível de pessoas. Irena já estava de posse
de uma lista de endereços onde os judeus poderiam ficar, principalmente as
crianças, até conseguir documentos de identidade "arianos" e
encontrar um lugar onde viver em relativa segurança. Sendler e Schultz
conseguiram 3 mil documentos falsos.
Como as deportações continuavam sem tréguas,
Irena decidiu procurar ajuda e se filiou à Zegota, movimento clandestino com a
infraestrutura e o dinheiro necessários. Esta organização, que contava com o
apoio financeiro de judeus britânicos, foi criada naquele fatídico mês de julho
por poloneses católicos, muitos, entre eles, membros da resistência, que se
opunham ao extermínio em massa de judeus. O objetivo era ajudar os judeus a
sobreviver em meio à população local. Infelizmente quando começou a operar, no final
de 1942, já era tarde para a maioria dos judeus de Varsóvia. Mais de 280 mil já
haviam sido mortos em Treblinka. No entanto, ainda havia milhares dentro do
gueto e outros tantos vivendo escondidos em Varsóvia e outras cidades.
Usando o codinome Jolanta, Irena se tornou
uma das principais ativistas da Zegota. Comandava uma equipe de 25 pessoas
incumbidas de tirar crianças do gueto, obter documentos falsos e encontrar uma
família ou local onde as abrigar ‒ algo não tão fácil de conseguir.
O resgate de uma criança judia requeria a
ajuda de no mínimo dez pessoas. O primeiro passo era fazer contato com as
famílias dentro do gueto. Persuadir pais a se separarem dos filhos era uma
tarefa dolorosa.
Eu ouvia sempre a mesma pergunta:
'Jura que o meu filho viverá?' Mas o que podia prometer? Sequer sabia se
conseguiria tirá-los com vida...",lembrava Irena. "A única certeza era
que se lá permanecessem, a probabilidade de sobreviver era praticamente nula.
Eu sabia que os primeiros a serem mortos pelos nazistas eram as crianças. Às
vezes, o pai aceitava a ideia, mas a pobre mãe relutava; era como rasgar sua
carne. Em outras ocasiões, era o contrário. Eu entendia a dor deles, mas a
indecisão foi fatal, em muitos casos. Quando voltava para tentar fazê-los mudar
de ideia, já não mais os encontrava... Haviam sido levados para os campos da
morte".
Durante os últimos três meses antes da
liquidação do gueto, lutando contra o tempo, Sendler e Schultz retiraram 2.500
crianças. As duas jovens levavam-nas, às vezes, por corredores subterrâneos do
edifício do Tribunal, localizado entre o gueto e o lado ariano; outras vezes,
através de uma igreja que tinha acesso pelos dois lados; ou mesmo pelos
esgotos. Alguns eram escondidos dentro de ambulâncias. Crianças pequenas eram
sedadas para não fazer barulho. Nas mãos de Irena qualquer coisa se
transformava em instrumento de fuga: sacolas, latas de lixo, sacos de batatas,
caixões. Chegou a esconder algumas dentro de seu casaco! Já fora dos muros, as
crianças eram levadas para locais onde iam ficar até serem entregues a famílias
ou instituições religiosas confiáveis.
No entanto, escapar do gueto era mais fácil
do que sobreviver no lado "ariano". Irena conseguira recrutar pelo
menos uma pessoa em cada um dos centros do Departamento de Bem-estar Social,
que a ajudaram a forjar centenas de documentos. Para escondê-las, contou com o
auxílio de várias instituições religiosas. Entre estas, o Convento da Família
de Maria, dirigido pela madre superiora Matylda Getter, e o de Turkowice,
dirigido pela madre superiora Stanislawa. Neste último, Irena contava ainda com
a ajuda das Irmãs Irena e Hermana, que sempre que recebiam uma mensagem
codificada corriam a Varsóvia para buscar as crianças. As quatro freiras foram
também agraciadas pelo Yad Vashem, em 1965, com o título de "Justos entre
as Nações".
Em seus relatos depois da guerra, Irena deu
os nomes de várias pessoas que a ajudaram, entre estas, Jan Dobraczynski.
Membro de um partido cristão de extrema direita, com uma plataforma
antissemita, Jan era diretor do Departamento de Bem-estar Social de Varsóvia.
Graças à sua função, ele conseguia documentos para as crianças, nos quais
atestava serem cristas, órfãs ou carentes, para que as instituições cristãs as
admitissem. Salvou assim mais de 300. Jan Dobraczynski também foi reconhecido
pelo Yad Vashem com o título de "Justo entre as Nações".
No entanto, de todos os seus colaboradores
dentro do Zegota, Irena tinha mais afinidade com Julian Grobelny, de codinome
Trojan. Um homem de grande coração, completamente devotado a salvar os que
estavam em perigo. Irena contou que, certa vez, ele a chamou para juntos
buscarem uma menina judia que estava em estado de choque havia vários dias.
Assistira sua mãe ser morta de forma bestial.
Quase fomos presos durante a viagem", lembrou Irena,
"e como ele era pessoa vital para a resistência, sugeri prosseguir
sozinha, mas Grobelny recusou indignado. Ao encontrar a menina, ele a pegou no
colo e, falando devagar, carinhosamente, conseguiu fazê-la sair do torpor, até
que ela conseguiu balbuciar: 'Não quero ficar aqui, me leva daqui'. Trojan,
então, me pediu que encontrasse um lar onde aquela inocente encontrasse afeto.
Irena e todos os demais sabiam que, se fossem
presos, seriam fuzilados. Cartazes por toda Varsóvia alertavam que a pena para
quem escondia judeus era a morte e não faltavam pessoas dispostas a ganhar com
a tragédia, chantageando os judeus e, em seguida, ganhando ainda mais ao
entregá-los aos alemães, em troca de alguma recompensa.
Irena Sendler se preocupava com o futuro das
crianças. Vejam como ela mesma descreve os cuidados que tinha para, um dia,
poder recuperar suas identidade:
Escrevia em papel de seda os nomes das
crianças salvas. Havia duas listas idênticas, que eu guardava em duas garrafas
distintas. Por razões de segurança não deixava as listas em casa, as enterrava
em locais distintos. À medida que aumentava o número de crianças salvas, as
garrafas onde eu guardava as listas eram desenterradas e novos nomes incluídos.
Ela tinha a esperança de, no final da guerra,
localizar as crianças e informá-las acerca de sua verdadeira origem. Queria que
um dia pudessem recuperar seus nomes, identidade, suas famílias e,
principalmente, voltar à sua fé. Irena fazia as famílias envolvidas no
salvamento dos menores prometerem que os devolveriam a qualquer parente que
sobrevivesse à guerra. Infelizmente, nem todos mantiveram sua palavra.
Terminada a guerra, Irena passou anos com as listas nas mãos, tentando
localizar crianças desaparecidas e as reaproximar de sua verdadeira família.
Sendler e Schultz também ajudaram adultos a
fugir do gueto. A fuga era organizada para quando deixavam o gueto para ir
trabalhar. Os guardas eram subornados para omiti-los em sua contagem diária dos
empregados. Os judeus ficavam escondidos do lado ariano e o Zegota se incumbia
de ajudá-los. Parte das despesas das famílias que davam abrigo a judeus eram
pagas por esta organização que lhes entregava também roupas, alimentos e cupons
para leite. Geralmente, Irena colocava jovens judias para trabalhar como
governantas ou babás. Adotavam um novo nome e, sendo a Polônia um país
profundamente católico, elas deviam aprender pelos menos o básico de sua
suposta fé.
A prisão de Pawiak
No dia 20 de outubro de 1943, Irena foi à
casa de sua mãe para uma reunião de amigos. No final da tarde, a Gestapo
invadiu o local. Por sorte, ajudada por uma amiga, ela conseguira esconder
documentos que a incriminavam e uma grande quantia do Zegota destinada à ajuda
aos judeus. A busca durou três horas. Não encontraram nada, mas Irena foi presa
e levada à terrível prisão de Pawiak. Uma de suas colaboradoras havia sido
presa e, sob tortura, revelara seu nome.
O alemão que a interrogou era jovem, com boas
maneiras e falava perfeitamente o polonês. Queria os nomes da liderança do
Zegota, endereços e a relação de todos os envolvidos. Apesar de brutalmente
torturada ‒ quebraram-lhe as duas pernas ‒ ela não cedeu. Sua vontade foi mais
forte que a dor. Recusou-se a trair colaboradores ou crianças. Passou três
meses nessa prisão até ser julgada e condenada à morte. "Todos os dias, ao
amanhecer, as portas das celas eram abertas e eram chamados nomes de pessoas
que nunca mais voltavam. Um dia, meu nome foi chamado"; lembrou Irena em
seus depoimentos.
Irena estava sendo levada para o local onde devia
ser fuzilada quando um agente da Gestapo surgiu com a ordem de conduzi-la a
outro interrogatório. O Zegota conseguira subornar o agente minutos antes da
execução; após conduzi-la a um canto, o nazista mandou-a desaparecer. Estava
livre. Na mesma noite, Irena viu cartazes, nos muros de Varsóvia, com o nome
das pessoas executadas. Entre eles, constava o seu.
A Gestapo não tardou a descobrir o que
ocorrera; isto forçou Irena a viver escondida, sob falsa identidade, até a
libertação da Polônia pelos exércitos russos ‒ exatamente como tantos outros a
quem salvara. Mas, mesmo perseguida pela Gestapo, continuou a atuar.
Fim da guerra
Em 1945, ao término da guerra, sua primeira
providência foi desenterrar as garrafas onde havia guardado as listas com os
nomes das crianças que ajudara a salvar. Passou então a procurá-las para as
reunir com pais ou outros membros de suas famílias. Poucos, porém, estavam
vivos. Adolph Berman, um dirigente do Zegota, decidiu levar 400 crianças para
Israel. Apesar de todos os esforços, até hoje não se tem informações sobre o
paradeiro de 500. Talvez muitas não tenham sobrevivido ou estejam vivendo na
Polônia ou em outros países, sem consciência de sua identidade judaica.
No fim da guerra, os comunistas tomaram conta
da Polônia. A política do novo regime, de forte antissemitismo oficial, fez com
que a história do Zegota, de Irena Sendler e de tantos outros fosse apagada dos
livros de história do país. A própria Irena foi tachada de fascista por seu
trabalho com o Zegota, durante a guerra, e por ter salvado judeus.
Voltou a trabalhar como assistente social.
Levava uma vida simples e discreta e não falava de seu passado. Seu casamento
com Mieczyslaw Sendler acabara logo após a guerra. Divorciada, casou-se com
Stefan Zgrzembski, com quem teve dois filhos, Janka e Adam. Quando, em 1965, o
Instituto Yad Vashem concedeu a Irena o título de "Justa entre as
Nações", os líderes comunistas não permitiram que ela saísse da Polônia
para receber o prêmio. Só mais tarde, em 1983, pôde receber o título, ocasião
em que foi plantada uma árvore em seu nome.
O ano de 1994 é marcado pela queda do
comunismo, na Polônia. Mas a vida de Irena só iria mudar seis anos mais tarde,
quando as 4 jovens americanas de Uniontown, no Kansas, contataram-na. Irena
vivia, à época, em um lar de idosos, em Varsóvia, presa a uma cadeira de rodas,
seu souvenir da Gestapo. Nos últimos anos, Elzbieta Ficowska, menina a quem
salvara aos 5 meses de idade, ajudava a cuidar dela.
Irena rememora o momento em que soube do
projeto das jovens:
Fiquei boquiaberta e fascinada, a um
só tempo; interessada, muito feliz". Em uma das primeiras
cartas de Irena às jovens, escreveu: "Minha emoção está sendo
ofuscada pelo fato de que ninguém do meu círculo de colaboradores, que viviam
arriscando suas vidas, pôde viver o bastante para desfrutar todas as honras que
hoje recaem sobre minha pessoa... Não encontro palavras para lhes agradecer,
minhas queridas meninas... Antes de vocês escreverem a peça "Life in a
Jar", ninguém em meu próprio país e em todo o mundo se havia preocupado
com minha pessoa ou com o trabalho que desempenhei durante a guerra...".
Em maio de 2001, as 4 jovens, acompanhadas do
professor Conrad, viajaram a Varsóvia para se encontrar com Irena. Na mesma
época, a mídia internacional começa a divulgar sua história. Emocionada, Irena
diz às jovens que elas eram "as resgatadoras da história de Irena perante
o mundo".
Ao publicar a história, vários jornais
colocaram uma antiga foto dela. De repente, diversas pessoas a contataram:
"Lembro-me de seu rosto... sou uma daquelas crianças, devo-lhe a minha
vida e meu futuro, preciso vê-la!"
No ano de 2003, Irena Sendler recebeu uma
carta do papa João Paulo II. Em março daquele ano foi a vez da Polônia fazer
reparações oficiais. Irena é agraciada com a Ordem da Águia Branca, a mais
importante distinção concedida pelo governo daquele país. Devido ao seu
delicado estado de saúde, ela não participou da cerimônia em sua homenagem, mas
enviou Elzbieta Ficowska para ler uma carta em seu nome. Entre outros, a carta
dizia:
Nós e as gerações futuras precisamos
recordar a crueldade e o ódio humano que dominava aqueles que 'entregaram' seus
vizinhos ao inimigo; o ódio que lhes ordenou cometerem assassinato e a
indiferença pela tragédia daqueles que pereceram. Meu sonho é que esta
recordação se torne um alerta ao mundo ‒ para que a humanidade jamais volte a
vivenciar uma tragédia de igual proporção.
No ano seguinte foi publicado um livro sobre
sua vida escrito por Anna Mieszkowska: Mother of the Children of the
Holocaust: The Irena Sendler Story.
Em março de 2007 a Polônia prestou-lhe uma
homenagem, em sessão solene na Câmara Superior do Parlamento, tendo seu nome
sido indicado para o Prêmio Nobel da Paz. Neste ano de 2008, em fevereiro,
quando celebrou 98 anos, recebeu das jovens de Kansas a notícia de que a peça
sobre sua vida fora representada pela 254ª. vez, em Toronto, Canadá. Irena
partiu deste mundo no dia 12 de maio de 2008, em Varsóvia. Centenas de pessoas
acompanharam seu corpo até sua última morada, no cemitério de Varsóvia. Na
ocasião, o Rabino-chefe ortodoxo da Polônia, Rabi Michael Schudrich, recitou o Kadish
por aquele ser humano tão nobre.
O Rabino lembrou-a dizendo que esperava que a
vida de Irena servisse de inspiração a outros:
Fomos abençoados com tantos anos em
que a tivemos como exemplo vivo... Ela não apenas salvou crianças judias;
salvou também a alma da Europa... seu exemplo pode ajudar-nos a mudar o
mundo... Bastará que cada pessoa que ouça a sua história tente fazer um ato de
bondade por outro ser humano, dia após dia.
Bibliografia:
§ Paldiel, Mordecai, The Rightheous Among The Nations, Rescuers
of Jews During The Holocaust, Yad Vashem - The Holocaust Martyrs' and Heroes'
Remembrance Authority.
§ Life in a jar, The Irena Sendler project,
www.irenasendler.org
§ Artigo do International Herald
tribune, Poland holds memorial service for Irena Sendler, 15 maio de 2008
1 Comentários
LINDA HISTORIA, NÃO CONHECIA, MAS ME TOCOU MUITO. É DE PESSOAS ASSIM QUE ESTE MUNDO ESTÁ PRECISANDO.
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